
A União Europeia alcançou na terça-feira um acordo que representa uma mudança significativa em sua agenda de sustentabilidade empresarial, elevando substancialmente os limiares para relatórios ambientais e sociais em resposta a críticas crescentes de que o excesso de regulamentação está prejudicando a competitividade europeia.
Negociadores do Parlamento Europeu e dos estados-membros definiram que apenas empresas com mais de 1.000 funcionários e faturamento anual superior a 450 milhões de euros precisarão reportar sobre sustentabilidade. Para corporações não europeias, o limite de faturamento gerado no bloco foi estabelecido no mesmo patamar.
A decisão reduz drasticamente o escopo da Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD, na sigla em inglês), que define quais empresas devem reportar informações de sustentabilidade, e da aplicação dos Padrões Europeus de Relatórios de Sustentabilidade (ESRS), o conjunto de normas técnicas que essas companhias devem seguir. O pacote regulatório originalmente deveria abranger cerca de 50.000 empresas. Com as novas regras, esse número cai para aproximadamente 5.000 companhias — uma redução de 90%, segundo estimativas preliminares.
“Conseguimos um compromisso muito bom”, disse Jörgen Warborn, relator do Parlamento Europeu responsável pelo tema. “Estamos facilitando o cumprimento das regras de sustentabilidade, proporcionando reduções históricas de custos para as empresas e ainda assim cumprindo nossos objetivos.”
A reversão marca uma guinada notável para um bloco que há poucos anos se posicionava como líder global em regulamentação climática e ambiental. O Pacto Ecológico Europeu, apresentado em 2019 pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, estabeleceu metas ambiciosas de neutralidade carbônica até 2050 e impulsionou uma onda de legislação verde.
Mas as críticas se intensificaram. Um relatório do ex-primeiro-ministro italiano Mario Draghi, publicado em 2024, alertou que o excesso de regulamentação ameaçava sufocar as empresas europeias. O documento tornou-se um divisor de águas no debate sobre como equilibrar ambições climáticas com a necessidade de manter a competitividade industrial diante de rivais como Estados Unidos e China.
A simplificação regulatória agora se tornou prioridade política. No Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro deste ano, von der Leyen anunciou a Bússola de Competitividade, uma estratégia de cinco anos para reduzir barreiras burocráticas e estimular inovação. Von der Leyen afirmou que a Europa precisa “mudar de marcha” para sustentar seu crescimento, enfatizando que a simplificação regulatória ajudará a remover os obstáculos mais comuns ao crescimento empresarial.
Impacto nas obrigações de due diligence
As mudanças vão além dos relatórios de sustentabilidade. No mesmo acordo, os negociadores estabeleceram que apenas grandes corporações da UE com mais de 5.000 funcionários e faturamento anual superior a 1,5 bilhão de euros precisarão conduzir due diligence para minimizar impactos negativos nas pessoas e no planeta.
Essa alteração na Diretiva de Diligência Devida em Sustentabilidade Corporativa (CSDDD, na sigla em inglês) — que exige ações concretas de gestão e mitigação de impactos socioambientais nas cadeias de valor, não apenas divulgação de informações — representa uma redução significativa no escopo original. Além disso, empresas abrangidas pelas novas regras não precisarão mais elaborar planos de transição para alinhar seus modelos de negócio ao Acordo de Paris, uma exigência que muitas corporações consideravam excessivamente onerosa.
Os relatórios de sustentabilidade também serão simplificados. Padrões setoriais específicos se tornarão voluntários, e empresas menores com menos de 1.000 funcionários estarão protegidas de solicitações excessivas de informações por parte de parceiros maiores.
Organizações ambientais reagiram com preocupação. Mariana Ferreira, responsável pela política de sustentabilidade do WWF, argumentou que as mudanças comprometerão gravemente a eficácia da lei, prejudicando o acesso das vítimas à justiça e transformando a diligência devida em um exercício ineficaz.
Grupos de investidores também manifestaram apreensão, alertando que o enfraquecimento das regras pode criar incerteza jurídica e afetar negativamente a competitividade de longo prazo da União Europeia.
Do lado empresarial, no entanto, a resposta foi amplamente positiva. Organizações empresariais dinamarquesas, por exemplo, estimam que as mudanças pouparão às empresas do país pelo menos 6 bilhões de coroas dinamarquesas por ano em custos administrativos — uma redução de 95% em relação à proposta original.
“Durante anos, as empresas europeias enfrentaram onda após onda de burocracia”, afirmou Marie Bjerre, ministra dinamarquesa para Assuntos Europeus. “Isso desacelerou investimentos verdes e enfraqueceu nossa competitividade.”
Cronograma e próximos passos
O acordo provisório ainda precisa ser formalmente aprovado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da UE, etapa geralmente vista como uma formalidade. A votação no Comitê de Assuntos Jurídicos está marcada para 11 de dezembro, com voto do plenário previsto para ainda este mês.
O prazo de transposição da Diretiva de Diligência Devida foi adiado em mais um ano, para 26 de julho de 2028. As empresas terão até julho de 2029 para cumprir integralmente as novas medidas.
Enquanto isso, a Comissão Europeia comprometeu-se a criar um portal digital com modelos e diretrizes sobre requisitos de relatórios, na tentativa de facilitar a conformidade para as empresas que permanecerem no escopo das regras.
Para companhias que já iniciaram relatórios em 2024 — as chamadas empresas de “primeira onda” — um ato delegado de “correção rápida” adotado em julho concedeu flexibilidade adicional, permitindo que mantenham o mesmo nível de divulgação até o ano fiscal de 2026, sem precisar adicionar novas obrigações.
A recalibração das regras de sustentabilidade ocorre em um momento em que a UE busca equilibrar seus compromissos climáticos com as demandas crescentes por uma economia mais competitiva. A própria presidente von der Leyen admitiu que o bloco precisa encontrar formas de “crescer mais rápido, de forma mais limpa e equitativa”.
Um documento recente do Fórum Econômico Mundial, baseado em consultas com CEOs europeus, identificou a conformidade com requisitos de relatórios como o maior obstáculo ao cumprimento de compromissos de sustentabilidade. O relatório pediu aos legisladores que simplifiquem os requisitos de relatórios o mais rápido possível, ao mesmo tempo em que mantém a ambição das metas de redução de emissões.
Impacto além das fronteiras europeias
Para grupos brasileiros com operações na União Europeia, especialmente dos setores de agroindústria, alimentos e manufatura, a mudança reduz a exposição regulatória imediata. Porém, a tendência é que investidores e compradores europeus mantenham exigências privadas de rastreabilidade e climate, independentemente da flexibilização da legislação.
A questão central agora é se a Europa conseguirá manter sua liderança em ação climática enquanto alivia as pressões sobre o setor empresarial. O acordo desta semana sugere que Bruxelas está apostando em um sistema mais enxuto, focado nas maiores corporações, como forma de conciliar essas duas prioridades.






