Por que a Noruega é, sim, um exemplo a ser seguido em temas ambientais

Entre muitas conquistas nessa frente, o país, líder do ranking global de contribuições para o clima e a natureza, tem mais árvores hoje do que há 100 anos

27 de agosto de 2019 10 minutos
Europeanway

Em inúmeras manifestações ao longo dos últimos meses, o governo brasileiro desdenhou do apoio dado pela Noruega, por meio do Fundo Amazônia, para projetos de preservação da floresta amazônica, insinuou haver irregularidades – embora sem apresentar provas – na gestão do fundo (administrado, é bom que se diga, não por seus doadores, mas pelo BNDES), sugeriu que os noruegueses usassem os recursos do fundo para reflorestar a Alemanha, outro país que tem doado recursos para o fundo, e colocou em dúvida – sem apresentar dados empíricos – a motivação norueguesa para financiar iniciativas de preservação no Brasil. No ano passado, ainda como comandante do Exército, general Eduardo Villas-Bôas declarou que a Noruega não tem autoridade moral para “dar pito” no Brasil em questões ambientais.

As críticas, o deboche e as insinuações – sem contar o tom, invariavelmente descortês – multiplicam-se, tão volumosos em decibéis quanto vazios de dados. Em uma constatação que tem relação direta com esse debate, o Scandinavian Way registrou em maio que, em um comparativo internacional, o Brasil apareceu como o país em que mais pessoas se disseram adeptas de discursos populistas – aqueles que são facilmente derrubados por fatos e números concretos -, que incluem teorias da conspiração e boatos apócrifos disseminados nas redes sociais.

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Para contribuir com o debate, nós reunimos alguns dados concretos que mostram por que a Noruega é, sim, um exemplo a ser seguido em temas ambientais. O Brasil precisa reconhecer seus pontos fracos para poder melhorar – e se espelhar em quem tem iniciativas positivas nessa frente. Afinal, a cura começa pelo diagnóstico.

1. A Noruega lidera o ranking global de países mais “verdes”

Com base em diferentes quesitos, o ranking “Good Country Index” mensura todo ano a contribuição de cada país para o bem da humanidade. A Noruega aparece em primeiro lugar no item que avalia as ações relacionadas ao clima e à natureza, o que ratifica o status do país como o mais “verde” do mundo. Esse reconhecimento ocorre tanto em virtude de ações políticas, como a meta do governo de neutralizar as emissões de carbono do país até 2030, quanto com a própria relação da população com a natureza. Os noruegueses adotam o conceito do “friluftsliv“, ou “vida ao ar livre”, no qual a saúde e a felicidade das pessoas estão diretamente ligadas ao tempo que passam em atividades fora de ambientes fechados e urbanos.

A liderança verde também levou à escolha de Oslo como a Capital Verde da Europa em 2019. A eleição ratificou o desempenho exemplar da capital norueguesa em iniciativas de sustentabilidade e preservação do meio ambiente e deu a ela a missão de atuar como embaixadora do desenvolvimento urbano sustentável no continente.

2. A Noruega planta mais árvores do que corta

Hoje, 38% do território norueguês, ou 122 mil km², é coberto por florestas. Isso corresponde a 964 milhões de metros cúbicos de árvores de pé, medição adotada pelo governo para mensurar a retenção de carbono. Segundo o portal UOL, desde 2014, o governo norueguês vem replantando anualmente, em média, 25 milhões de m³, contra 10 milhões de m³ de cortes. Com isso, como o corte anual de madeira é de aproximadamente metade do que cresce a cada ano, a diferença basta para compensar cerca de 60% das emissões anuais do país em gases de efeito estufa.

3. A Noruega tem hoje três vezes mais árvores do que há 100 anos

É verdade, sim, que a Noruega desmatou muito no passado. A derrubada de florestas nativas foi um grande motor da economia norueguesa nos anos 1800. Mas o país detectou já no fim daquele século que se algo não fosse feito, suas florestas desapareceriam de vez. É isso mesmo: a preocupação com a preservação faz parte do debate público norueguês desde fins do século 19. Essas discussões levaram o país a decidir ser o primeiro do mundo a fazer um inventário completo de todas as suas florestas, como relembra a BBC. Esse trabalho começou em 1919. Ao aliar os esforços para catalogar dados concretos sobre o tamanho e a diversidade das matas aos de reflorestamento, a Noruega tem hoje três vezes mais árvores do que há exatos 100 anos, quando a catalogação começou. E esse trabalho segue em andamento.

4. Tanto quanto quantidade, o replantio de árvores considera a diversidade

Quando uma floresta é derrubada, ela é frequentemente substituída por programas de reflorestamento controlado. Isso significa que, quando uma indústria faz o replantio, o que cresce geralmente é um conjunto de árvores menos diverso do que o anterior. Em outras palavras, não basta ter mais árvores: é preciso que haja diversidade de espécies. Nas últimas décadas, o governo norueguês adaptou sua estratégia para melhorar a qualidade das florestas replantadas e preservadas. As novas práticas incluem até a catalogação do volume de madeira morta. Sim, árvores no chão são tão importantes quantos as que estão de pé, já que elas funcionam como um habitat vital para insetos ameaçados de extinção. Além disso, têm sido preservadas mais áreas de mata que abrigam espécies raras ou sob risco de desaparecimento.

5. O Fundo Amazônia é só um dos programas da Noruega pela preservação. Há outros

A Noruega foi responsável por 94% dos R$ 3,4 bilhões arrecadados pelo Fundo Amazônia desde sua criação, em 2008. Mas, se há autoridades brasileiras que acreditam (e pior, verbalizam isso) que o financiamento esconde um interesse nas riquezas da floresta, a verdade é que essa não é a única iniciativa norueguesa de financiamento da preservação ambiental no exterior. Também em 2008, o país lançou a Iniciativa Internacional de Clima e Floresta da Noruega (NICFI, na sigla em inglês). O programa previa a alocação de 3 bilhões de coroas (R$ 1,3 bilhão, segundo o câmbio atual) por ano em projetos de combate ao desmatamento. O país pretendia manter o programa até 2020, mas o governo já prometeu estendê-lo por mais uma década. Até hoje, graças ao NICFI, mais de 70 países já receberam recursos para combater o desmatamento.

Uma outra frente, o Norway Grants, sequer chega perto da Amazônia. Com esse programa, encabeçado pelo Ministério de Relações Exteriores norueguês, o país financia, exclusivamente na Europa, iniciativas ambientais, como preservação e combate à poluição, além de projetos de inovação, educação e inclusão social. Polônia, Romênia, Hungria e Bulgária têm recebido os maiores volumes de recursos. No período 2014-2021, o Norway Grants vai desembolsar € 1,3 bilhão (R$ 5,8 bilhões). Esse programa é “irmão” de outro, o EEA Grants, mantido em parceria com Islândia e Liechtenstein. A Noruega será responsável por 96% do € 1,5 bilhão (R$ 6,7 bilhões) previstos pelo EEA para o intervalo entre 2014 e 2021.

6. A Noruega mantém suas iniciativas ambientais tanto em governos de direita quanto de esquerda

Talvez isso dê um nó na cabeça de quem não entende que preservação ambiental não tem “lado”: a Noruega é comandada hoje por um governo de direita. Foi a própria primeira-ministra Erna Solberg, do Partido Conservador, que anunciou em 2017 a criação de um outro fundo, de US$ 400 milhões, que pretende financiar programas de preservação 5 milhões de hectares de florestas em diferentes países. Os recursos serão arrecadados até 2020, com instituições multilaterais e empresas privadas, mas, já na largada, a Noruega informou que se comprometeria com os primeiros US$ 100 milhões. O antecessor de Erna Solberg, Jens Stoltenberg, do Partido Trabalhista, de esquerda, era o primeiro-ministro norueguês quando o Fundo Amazônia foi criado. São dois políticos com visões de mundo diferentes entre si, mas, como se vê, eles estão de acordo quando o assunto é a importância da preservação ambiental.

7. A caça às baleias tem controle rígido – e só se permite a captura de uma espécie, não ameaçada

A Noruega é um dos poucos países do mundo em que a caça às baleias é permitida por lei. Essa permissão tem sido alvo de críticas internacionais – e foi usada pelo presidente brasileiro como “prova” de que os noruegueses não podem ser exemplo para o Brasil na área ambiental (ainda que, para fazer a “denúncia”, o mandatário tenha usado imagens de um festival de caça tradicional chamado “grindadráp” nas Ilhas Färoe, um território da Dinamarca). A permissão legal existe, mas rigidamente controlada – e a cota máxima anual de captura nunca é atingida.

Em 2018, os caçadores noruegueses abateram 454 baleias minke, número que representou apenas 35% da cota estipulada para o ano, de 1.278 animais. A Noruega só permite a caça de minke, espécie que não está ameaçada de extinção, e dentro de suas águas territoriais. Além disso, para além dos controles legais, a atividade tem diminuído em virtude da própria diminuição da demanda pela carne do animal. Em 1950, havia cerca de 350 baleeiros em atividade na Noruega. O número caiu para 20 em 2015. No ano passado, dos cerca de 5 mil barcos pesqueiros em operação no país, apenas 11 atuaram na caça às baleias.

8. A Noruega é líder global na adoção de carros elétricos, que não emitem poluentes

Em nenhum país do mundo os carros elétricos foram adotados com mais força do que na Noruega. No ano passado, pouco mais de 30% dos veículos novos comercializados no mercado norueguês tinham exclusivamente cabos plug-in em vez de tanques de gasolina, muito acima da média de 2% registrada no restante da Europa e da fatia de menos de 2% nos Estados Unidos. Depois disso, em março deste ano, pela primeira vez esses modelos passaram a responder pela maioria das vendas. Para ajudar nas vendas, o governo norueguês renunciou a pesadas taxas de importação e a taxas de registro e vendas para compradores de carros elétricos. Os incentivos incluem ainda gratuidade em pedágios e balsas, tudo como parte dos esforços do país de vender apenas carros com emissões zero de poluentes até 2025.

9. Para preservar um paraíso natural no Ártico, a Noruega já abriu mão de explorar petróleo na região

Em abril deste ano, o Partido Trabalhista, o maior do Parlamento norueguês, retirou seu apoio à exploração de petróleo nas ilhas Lofoten, no Ártico, consideradas um paraíso natural. A decisão reforça um movimento crescente no país de não explorar sua principal riqueza a qualquer custo. Hoje, a Noruega, um dos 20 maiores produtores de petróleo do mundo, extrai mais de 1,6 milhão de barris de petróleo por dia. Acredita-se que existam de 1 a 3 bilhões de barris de petróleo abaixo do fundo do mar no arquipélago de Lofoten.

10. Na Noruega, a reciclagem rende dinheiro para a população

Os noruegueses criaram um sistema de reciclagem de garrafas plásticas e latas de alumínio que rende dinheiro às pessoas. O rótulo de bebidas armazenadas em garrafas ou latas informa qual o valor daquela embalagem (algo entre 1 e 2,5 coroas, ou R$ 0,45 a R$ 1,15), um custo que faz parte do preço total do produto. Mas esse dinheiro é recuperado assim que o consumidor deposita essas embalagens em máquinas instaladas nas entradas de todos os supermercados. Cada item recolhido rende um crédito que pode ser usado em compras no próprio supermercado – ou, se a pessoa preferir, repassado a uma instituição de caridade; a doação é feita também no equipamento. A iniciativa ajudou o país a atingir a taxa de 97% de garrafas plásticas recicladas. Em um número mais amplo, mas que ajuda a dar dimensão a esse resultado, o Brasil recicla apenas 1,28% do plástico que produz, segundo a organização WWF Brasil.

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