
Com a posse do novo Bundestag nesta terça-feira (25), a Alemanha inaugura uma legislatura que, embora mantenha o formato parlamentarista que marca sua estabilidade institucional, carrega sinais nítidos de mudança. Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) assume o posto de principal força de oposição no parlamento federal, com 78 cadeiras — o maior número já conquistado pela legenda desde sua fundação, em 2013.
A nova composição do parlamento alemão reflete transformações demográficas e políticas mais amplas que vêm se consolidando nos últimos anos. O novo Bundestag, formado por 630 parlamentares, é mais velho e menos diverso: a idade média dos deputados subiu para 47,3 anos, e apenas 12,5% dos eleitos têm origem migrante — uma queda relevante em comparação à legislatura anterior. Os números destoam de uma sociedade na qual cerca de um em cada quatro habitantes possui histórico migratório.
Esse descompasso entre representatividade e realidade populacional amplia o terreno político onde a AfD vem se fortalecendo. A sigla, que durante anos foi tratada como uma força periférica, consolidou-se como voz ativa do descontentamento em regiões da antiga Alemanha Oriental, onde chega a liderar intenções de voto para eleições estaduais. Seu discurso nacionalista, anti-imigração e eurocético passou de exceção a componente estável do debate público.
Apesar do avanço eleitoral, a AfD continua isolada no parlamento federal. Nenhum outro partido aceita formar coalizões com a legenda, e, na sessão inaugural desta legislatura, a candidatura do deputado Gerald Otten a uma das vice-presidências da Câmara foi rejeitada pela terceira vez consecutiva, reforçando a estratégia de contenção que busca impedir o acesso do partido a cargos estratégicos. Como destacou o The Guardian, a nova posição da AfD “testa os limites da democracia parlamentar”, forçando os partidos tradicionais a encontrar um delicado equilíbrio entre convivência institucional e resistência normativa.
O novo cenário representa um desafio para o sistema partidário alemão, tradicionalmente orientado por consensos moderados. A ascensão da AfD também contribui para o desgaste dos partidos do governo — o SPD, dos social-democratas de Olaf Scholz, e os Verdes, em especial — que enfrentam baixa popularidade e dificuldades para articular respostas convincentes à ansiedade econômica e à percepção de insegurança cultural.
Parlamento espelha dilemas contemporâneos
A nova legislatura do Bundestag é, em muitos aspectos, um espelho das contradições contemporâneas da política alemã: envelhecida, mais homogênea e tensionada pela presença de uma extrema direita institucionalizada. A participação feminina, que já havia regredido em eleições anteriores, permanece estagnada — com cerca de 35% de mulheres eleitas. Em meio a isso, apenas uma parlamentar transgênero tomou posse, num parlamento cada vez menos refletido nos corpos e histórias da sociedade que representa.
Enquanto isso, o avanço da AfD reacende uma questão recorrente: como os sistemas democráticos lidam com atores que usam as regras da democracia para enfraquecê-la por dentro? A chamada “cortina sanitária” pode, por ora, conter o avanço institucional do partido, mas é uma estratégia que se desgasta com o tempo se não for acompanhada de respostas substantivas às demandas que alimentam o voto radical.