A entrada da Finlândia na OTAN: uma interpretação

Por José Alexandre Altahyde Hage (*) 19 de abril de 2023 7 minutos
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A atual guerra europeia, entre Rússia e Ucrânia, produz fatos que demandarão algum tempo para serem bem compreendidos. Por que Moscou decidiu invadir o vizinho denominado “estrangeiro próximo”? Quais atores deveriam ser derrotados no território ucraniano? Qual é o papel dos Estados Unidos nesse conflito, bem como o da China? Essa guerra seria também por procuração? Quais efeitos haverá tanto para os membros da OTAN quanto para União Europeia? Eis questões que não podem ser satisfatoriamente respondidas de imediato. Mesmo assim, vamos analisar, singelamente, um desses acontecimentos.

Um dos efeitos provocados pela guerra entre Rússia e Ucrânia foi a retirada que a Finlândia fez de sua neutralidade militar após a Segunda Guerra Mundial. A história do país como Estado nacional é relativamente nova; ele fazia parte da Suécia, que o perdeu em 1809. A partir dessa data a Finlândia passou a ter o status de território autônomo do Império Russo. Com o advento da Revolução de Outubro, de 1917, o território ganhou independência nacional.

Na Segunda Guerra Mundial, a Finlândia demonstrou simpatia pela força militar alemã, para que isso a ajudasse a marcar posição contra a União Soviética de Josef Stalin, cujo governo havia demonstrado intenção de reanexar antigas regiões que antes pertenciam ao czarismo, caso dos países bálticos e da Ucrânia. Assim, o vínculo da Finlândia com a Alemanha nazista daria fôlego para que o país ‘nórdico’ pudesse resistir às investidas expansionistas do Kremlin. Sem ter sucesso definitivo contra isso, apesar de demonstrada competência militar, o governo finlandês pensou ser mais conveniente abandonar as forças alemãs e confiar nas promessas soviéticas, uma vez que Stalin disse que restituiria o espaço finlandês se Helsinque demonstrasse boa vontade às demandas soviéticas.

Com a vitória que a União Soviética obteve frente aos alemães na Grande Guerra, e pelo fato de a Finlândia ter cumprido a vontade de Moscou, de ter abandonado a companhia alemã, o país adotou a postura de neutralidade logo em 1945. No advento da Guerra Fria, a neutralidade adotada por Helsinque deu origem ao conceito de ‘finlandização’ como explicação para entender países que procurassem ser neutros por causa da falta de recursos de poder para tomar posição em face do jogo entre superpotências.

Sem recursos de poder, a Finlândia adotou a neutralidade que também fora aplicada a outros países europeus, como Suécia, Áustria e Suíça: eles não seriam parte da OTAN, nem do Pacto de Varsóvia. Assim, deu-se tal conveniência para países que aproveitassem o momento para instituir políticas de bem-estar e de inovação industrial e de serviços, já que não necessitavam gastar recursos econômicos com armamentos, sempre caros.

Mas, com a declaração da guerra que teve início em 24 de fevereiro de 2022, aqueles países neutros passaram a ter preocupações de teor geopolítico. Qual seria a razão principal para tanto? A entrada manu militari da Rússia na Ucrânia despertou suspeitas na Finlândia e na Suécia. O fantasma que passou a rondar esse lado da Europa pode ser identificado no expansionismo russo que, para os ocidentais, é atávico do comportamento geopolítico do país. Em outras palavras, faz parte da natureza russa o expansionismo para o Oeste.

De imediato, Helsinque solicitou a matrícula na OTAN, sob alegação do perigo russo que já havia adentrado na Ucrânia; da mesma forma o fez a Suécia, mas tendo esta oposição da Turquia, que protesta contra o fato de Estocolmo dar guarida a agentes antiturcos. Mas qual seria a possível interpretação que a Rússia, ou qualquer outro analista, poderá extrair dessa política finlandesa pró-Estados Unidos e da função militar da aliança atlântica?

É fato que a entrada de um país na OTAN é algo relevante, pois se trata de mais uma colaboração àquela integração militar. A Finlândia tem conhecimento militar e industrial, a exemplo da Suécia. Mas sendo país relativamente pequeno, tanto na economia quanto na população, em torno de cinco milhões de pessoas, isso marcaria, de fato, uma grande vantagem às forças ocidentais contra a Rússia? Faria alguma diferença a admissão finlandesa, uma vez que já há os países bálticos na organização militar, assim como da própria Noruega?

Vamos aqui usar duas expressões populares: “já que estou no inferno, não custa nada dar um abraço no capeta” e “pau que bate em Chico, bate em Francisco”. Ou seja, em uma situação na qual a OTAN se alargou a partir da admissão da Polônia, em 2004, chegando a trinta membros, não é a entrada da Finlândia que fará alguma diferença para aumentar o drama estratégico russo. Se Helsinque optou para entrar nas forças ocidentais, de certa forma, concordou em assumir responsabilidades em face da atual guerra, mesmo que módicas.

Qual seria um possível resultado disso? A admissão da Finlândia é vista como altamente positiva, uma vez que joga para a OTAN uma fronteira de mais de mil quilômetros de extensão, a fronteira com a Rússia. Porém, o contra-ataque dessa situação é que Moscou também pode ordenar que armamento nuclear, tático, seja instalado no Golfo da Finlândia, mirando quem, afinal? Fez Helsinque escolha equilibrada e racional, por acreditar que o país poderá ser invadido pela Rússia? A elite política finlandesa havia demorado para compreender os reais motivos que movem a estratégia russa para o Ocidente? Enfim, “pau que bate em Chico, bate em Francisco”, visto que o país arrumou uma confusão que não precisava. A não ser que o assunto esconda outros motivos que não estão claros.

A infelicidade da Europa, nesta parte do tempo, é que boa parte de seus governantes dá a entender que está abaixo do esperado de suas competências. O chanceler alemão, Olaf Scholz, praticamente alienou seu país dos reais interesses nacionais alemães, como obter segurança energética que fosse pertinente para o país. A Finlândia era governada por primeira-ministra, Sanna Marin, que também não conseguia traduzir os interesses estratégicos de seu Estado no grande jogo da política internacional. Tratava-se de ministra antenada com a “modernidade”, da mesma forma que Scholz. Tais governantes encaram o cargo público, de mandatários, como aqueles de CEO da grande empresa. Contudo, parece que a grande empresa se sai melhor quando o quesito é buscar seus reais interesses de sobrevivência.

Por outro lado, o governo de Vladimir Putin atentou para tais efeitos, mesmo que de menor impacto? O pessoal do Kremlin levou em consideração que a entrada das forças russas na Ucrânia poderia jogar países neutros no colo da OTAN? Quais seriam as respostas da Rússia em face dessas saídas dos antigos Estados neutros, além de advertências? Essas são questões que também não têm respostas a curto prazo, ao menos para nós do Brasil.

Por isso, eis um assunto que o governo brasileiro tem que se atentar nesse novo jogo do grande poder, no qual a cadência, paulatinamente, muda de mão e migra para o Oriente. Não se trata de fazer filiações emocionais ou promovidas por ideologia de curta visão, mas analisar com afinco esse termo que repetimos, correndo risco da exaustão: observar os reais interesses nacionais. Expressão considerada ultrapassada pelo partido da modernidade, mas que acreditamos ter ainda validade, mesmo que isso revele nossa idade. E a velhice é algo que todo o mundo quer evitar!

(*) José Alexandre Altahyde Hage é professor do Departamento de Relações Internacionais da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) — campus Osasco; e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC)

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