Para enfrentar a pandemia, a Suécia adotou uma estratégia menos restritivas que boa parte dos países ocidentais. Com 5,7 mil mortes em um universo de 80,4 mil infectados até este domingo (2/8), a covid-19 tem uma taxa de letalidade de 7,1% no país. Essa média é superior à global, de 3,9%, o que, nos últimos meses, tem sido lembrado por muitos especialistas que criticam a abordagem sueca (que o Scandinavian Way explicou aqui).
Para além dos números, o novo coronavírus levantou debates também em outras frentes, da liberdade individual às notícias falsas, da crise climática ao populismo. Ao longo da pandemia, alguns desses temas têm pautado o trabalho do Raoul Wallenberg Institute, centro de estudos acadêmicos sobre direitos humanos ligado à Faculdade de Direito da Lund University, na Suécia. Criada em 1984, a instituição é uma das mais respeitadas do mundo em sua área de atuação.
Rolf Ring, vice-diretor do instituto, falou ao público brasileiro na última segunda-feira (27/7). Ele participou de um debate online organizado pela Embaixada da Alemanha em Brasília, do qual participaram também os professores Christoph Möllers (Humboldt University Berlin) e Mattias Kumm (HU Berlin e New York University) e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Michael Westland, da embaixada alemã, mediou as discussões.
O Scandinavian Way reuniu alguns dos temas que Ring abordou sobre o debate público da Suécia na pandemia. O seminário está disponível na íntegra neste link:
Eficiência do Estado
Na Suécia, o controle de doenças infectocontagiosas é um trabalho da Agência Sueca de Saúde Pública, que tem atuação nacional. O sistema geral de saúde, por sua vez, é responsabilidade dos governos regionais, e as casas de repouso de idosos (que tiveram alto número de vítimas na pandemia), dos municípios. Essa divisão de responsabilidades “causou confusão, ineficiência e atrasos nas tomadas de decisão”, disse Ring.
Pilares democráticos
A morte do americano George Floyd, no dia 25 de maio, gerou manifestações contra o racismo também na Suécia. No país, é preciso ter autorização da polícia para organizar protestos como o do movimento Black Lives Matter. “O direito de reunião é considerado um dos pilares da democracia sueca”, afirma Ring. Assim, os manifestantes receberam autorização para os atos, desde que se respeitasse o distanciamento social e que o público fosse de até 50 pessoas – regra que foi adotada para conter o coronavírus. No entanto, como em outras partes do mundo, as manifestações na Suécia atraíram milhares de pessoas. A polícia acabou dispersando os atos.
Judicialização
Passar as férias de verão em casas de campo é uma tradição sueca. Mas, para evitar que o vírus infectasse os moradores de cidades de veraneio, algumas prefeituras não emitiram autorizações de entrada para os visitantes. Muitos desses casos chegaram aos tribunais, que decidiram contra os municípios. Esse foi um exemplo do que Rolf Ring chamou de “pesadelo” burocrático.
Leis para situações de exceção
Na pandemia, países de todo o mundo identificaram lacunas em suas leis; não havia regras específicas para enfrentar situações de exceção como a atual. Rolf Ring conta que a Constituição da Suécia não estabelece provisões para quando se enfrenta um estado de emergência, por exemplo. O contexto histórico ajuda a explicar esse aspecto, segundo ele. “O país não entra em guerra desde o início do século 19”, disse.
Serviços públicos e direitos humanos
Em termos proporcionais, imigrantes que moram em áreas pobres das maiores cidades da Suécia ficaram entre as pessoas mais afetadas pela covid-19 no país. A dificuldade de adaptação à vida local que refugiados e outros estrangeiros enfrentam passa pelo baixo acesso a serviços públicos, como os de saúde. Isso ajuda a explicar por que tanta gente morreu por causa do coronavírus nessa fatia da população. O debate sobre serviços públicos e direitos humanos, que estava em andamento na Suécia mesmo antes da crise atual, precisa avançar, diz Ring.
Sem simplificações
Remédios milagrosos, políticas que prometem mudar a vida das pessoas em pouco tempo, medidas tão simples quanto definitivas: a pandemia tem deixado claro que simplificações só funcionam no discurso de quem as defende. “Questões complexas exigem medidas complexas”, disse o vice-diretor do Raoul Wallenberg Institute.