
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, intensificou a defesa de uma Europa mais autônoma em segurança, ao afirmar que o continente precisa estar preparado para se proteger em um mundo “mais perigoso” e com aliados menos previsíveis. Em discurso no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, ela defendeu um plano que pode mobilizar até 800 bilhões de euros em defesa até 2030, combinando flexibilização fiscal e novos instrumentos financeiros.
Segundo Von der Leyen, parte relevante desses 800 bilhões corresponde a gastos nacionais de defesa que já vêm subindo, estimados em cerca de 326 bilhões de euros em 2024. A proposta da Comissão prevê ainda um fundo de 150 bilhões de euros em empréstimos conjuntos por meio do instrumento SAFE (Security and Action for Europe) e uma “cláusula de escape” que permitiria excluir até 1,5% dos gastos militares do cálculo de dívida pública, para incentivar investimentos na área. Mesmo assim, o esforço europeu ainda fica aquém do padrão americano: os Estados Unidos devem destinar cerca de 850 bilhões de dólares à defesa em 2025, valor que a Europa planeja alcançar apenas somando vários anos.
Dependência de armas e indústria fragmentada
Apesar da retórica de autonomia estratégica, a Europa segue fortemente dependente de fornecedores externos. Cerca de 80% das compras militares europeias vêm de importações, sobretudo dos Estados Unidos, e estudos recentes indicam que, entre 2020 e 2024, 64% das armas importadas pelos membros europeus da OTAN tiveram origem na indústria americana. A presidente da Comissão argumenta que essa dependência reflete não apenas escolhas políticas, mas também limitações industriais, já que o setor de defesa europeu continua fragmentado, com 27 países desenvolvendo sistemas muitas vezes incompatíveis entre si.
Mercado único de defesa e divisões políticas
Para enfrentar esse cenário, Von der Leyen defende a criação de um mercado único de defesa, com mais projetos conjuntos em áreas como defesa aérea e produção de munições, além da nomeação de um comissário dedicado exclusivamente ao tema no próximo mandato da Comissão Europeia. A agenda, porém, encontra resistências políticas: países do Leste Europeu e os Bálticos temem que estruturas paralelas à OTAN acabem enfraquecendo os laços transatlânticos, enquanto governos como o da Hungria, de Viktor Orbán, vêm bloqueando iniciativas de maior integração em defesa ou de apoio à Ucrânia.
Ucrânia como teste e dilema político
A guerra na Ucrânia expôs tanto a capacidade quanto os limites europeus. O bloco se tornou o maior doador coletivo de Kiev em ajuda militar e financeira e conseguiu reduzir drasticamente a dependência do gás russo, além de impor sanções amplas a Moscou. Ao mesmo tempo, surgiram fragilidades como estoques baixos de munição, dificuldades de reposição rápida e a necessidade de recorrer a fornecedores externos para manter o fluxo de armamentos. Para convencer a opinião pública a aceitar maiores gastos militares, líderes europeus precisam, por um lado, demonstrar que a ameaça é real e, por outro, evitar que a sensação de perigo leve novamente à dependência automática do “guarda-chuva” americano. Nesse equilíbrio, Von der Leyen apresenta a autonomia estratégica não como ruptura com os Estados Unidos, mas como forma de transformar a Europa em um parceiro mais robusto. E, se necessário, capaz de se defender por conta própria.






