Volkswagen reforça marca na Europa ao transformar salsichas em ativo estratégico

10 de junho de 2025 4 minutos
Volkswagen

Na intersecção entre indústria automobilística e cultura pop alemã, as salsichas da Volkswagen deixaram de ser uma anedota corporativa para se tornarem uma peça relevante da estratégia de marca da montadora. Em 2024, as vendas do icônico Currywurst superaram, em unidades, a comercialização de automóveis da empresa na Europa — um dado que, à primeira vista, pode parecer folclórico, mas que, sob análise mais ampla, revela elementos importantes sobre branding, diversificação e identidade industrial no continente.

Com mais de 7 milhões de salsichas vendidas no último ano, a marca “Volkswagen Currywurst” agora possui até embalagem própria, distribuição externa à rede da montadora e expansão para mercados fora do ecossistema industrial da fábrica de Wolfsburg. O produto, criado originalmente em 1973 como parte do refeitório interno da companhia, é hoje vendido em supermercados e eventos patrocinados pela empresa — e funciona como um artefato de soft power corporativo.

O dado pode alimentar manchetes caricatas, mas a leitura econômica e simbólica vai além. A montadora, que em 2023 enfrentou uma série de desafios — queda nas margens na Europa, transição lenta para o carro elétrico e tensões geopolíticas no leste europeu — vê no Currywurst um elemento de fortalecimento identitário. Em um momento em que as montadoras lutam para manter relevância em um mercado pressionado por novos entrantes (Tesla, BYD) e pela transformação digital, a Volks aposta também na narrativa: ser mais do que uma montadora, ser parte da cultura industrial alemã.

Trata-se de um posicionamento que dialoga com consumidores nostálgicos, reforça o vínculo com a classe trabalhadora e protege uma identidade nacional em tempos de transição. A marca Currywurst funciona como um elo emocional entre a empresa e sua origem — algo que carros elétricos e apps de mobilidade ainda não conseguem oferecer com a mesma eficácia.

O fenômeno não é inédito, mas é raro em sua escala e longevidade. Empresas como Ferrari e Porsche já exploram linhas de produtos com alto valor agregado fora do setor automotivo (roupas, perfumes, bicicletas). Mas o caso da VW é singular por se tratar de um item de consumo básico e de produção industrial massiva. A salsicha virou um ativo de branding com impacto real de receita e reconhecimento. A decisão de criar um rótulo próprio e ampliar os pontos de venda revela que a empresa entende o poder desse produto como um vetor de reputação e engajamento.

Além disso, é um exemplo do chamado employer branding que extrapola os RHs e impacta o público externo. Ao transformar um item típico do refeitório dos funcionários em produto de prateleira, a VW também reforça sua imagem como empregadora sólida e fiel a suas raízes industriais. Em tempos de escassez de mão de obra qualificada na Alemanha, isso não é detalhe.

No pano de fundo, o sucesso do Currywurst VW toca um ponto sensível da Europa atual: a dificuldade das indústrias tradicionais em manter relevância simbólica. A ofensiva regulatória da União Europeia sobre motores a combustão, a pressão chinesa sobre a indústria elétrica e as incertezas sobre o Green Deal aumentam a sensação de transição forçada e perda de soberania produtiva. Nesse cenário, a Volks aposta em uma retórica de continuidade — mesmo que simbólica — para afirmar sua presença.

A manutenção da linha de produção de salsichas, aliás, já foi motivo de controvérsia. Em 2021, a empresa anunciou que o refeitório de Wolfsburg serviria apenas refeições vegetarianas, o que gerou críticas de figuras públicas — incluindo o ex-chanceler Gerhard Schröder, que ironizou a decisão como um abandono da tradição operária alemã. A Volks recuou parcialmente e reintroduziu o produto em certas unidades, o que mostra a sensibilidade política do tema.

 

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