
A União Europeia decidiu suavizar as regras sobre emissões automotivas que efetivamente proibiriam veículos com motor a combustão a partir de 2035. A medida representa uma vitória para montadoras como Stellantis, Mercedes-Benz e Volkswagen, mas levanta questões cruciais sobre a capacidade da Europa de competir com rivais chineses no mercado de veículos elétricos.
A nova proposta permite que fabricantes atinjam uma redução de 90% nas emissões de CO2 até 2035, em vez dos 100% estabelecidos na legislação de 2023. Os 10% restantes poderão ser compensados através do uso de aço de baixo carbono produzido na UE ou de combustíveis sintéticos e biocombustíveis. Na prática, isso significa que veículos híbridos plug-in, extensores de autonomia e até mesmo alguns motores a combustão tradicionais permanecerão no mercado após o prazo original.
Pressões sobre Bruxelas
A flexibilização surge após meses de lobby intenso. O chanceler alemão Friedrich Merz defendeu que “maior abertura tecnológica e flexibilidade são os passos certos” para o setor. Países produtores como Alemanha, Itália, Bulgária, República Tcheca, Hungria, Polônia e Eslováquia apoiaram o recuo, citando preocupações com empregos e competitividade industrial.
As montadoras argumentavam que enfrentariam multas superiores a 1 bilhão de euros sob as regras originais, em um momento em que a demanda por veículos elétricos cresce mais lentamente que o previsto e a infraestrutura de carregamento permanece inadequada. Sigrid de Vries, diretora-geral da Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis, classificou a flexibilidade como “urgente”, destacando que o mercado ainda não está preparado.
A decisão, porém, divide a Europa. França e Espanha, junto com países nórdicos, criticaram duramente a mudança. Paris declarou que “afirmar que os empregos e inovações de amanhã ainda estão em motores a diesel ou gasolina, quando o resto do mundo embarcou em uma corrida industrial por baterias e veículos elétricos, é condenar a indústria automotiva francesa e europeia ao declínio”.
Compensações propostas
Para equilibrar a flexibilização, Bruxelas propõe uma série de incentivos. Veículos elétricos pequenos, com menos de 4,2 metros de comprimento e fabricados na UE, receberão “supercréditos” até 2034, com cada unidade contando 1,3 vez para as metas de emissões. A Comissão também destinou recursos significativos para acelerar a produção de baterias no continente, incluindo empréstimos sem juros para fabricantes de células.
Frotas de aluguel e leasing serão obrigadas a ter maior participação de veículos elétricos, com o objetivo de criar um mercado robusto de carros usados e familiarizar consumidores com a tecnologia. Estados membros só poderão conceder apoio financeiro a veículos limpos fabricados na UE, uma vitória para países que defenderam proteção à produção local.
A preocupação central é que a flexibilidade adicional encoraje fabricantes europeus a prolongar investimentos em tecnologias híbridas lucrativas, enquanto concorrentes chineses consolidam vantagem em eletrificação pura. Enquanto montadoras europeias tradicionais levam anos para desenvolver novos modelos, fabricantes chineses conseguem fazê-lo em menos de dois anos, segundo dados da indústria.
Desafios estruturais
Executivos do setor reconhecem que a extensão do prazo não resolve problemas mais profundos. Custos elevados de energia, burocracia lenta para licenciamento e ausência de cadeia de suprimento local para baterias continuam minando a competitividade europeia. Projetos de gigafábricas foram adiados ou reduzidos, enquanto fornecedores enfrentam pressão crescente à medida que pedidos de componentes para motores a combustão caem mais rápido do que a demanda por peças elétricas cresce.
A base industrial europeia está sob pressão à medida que a eletrificação e a concorrência global transferem valor para a Ásia, segundo a CLEPA, associação europeia de fornecedores. Sob a influência de partidos populistas céticos em relação ao clima, as políticas verdes têm sido vistas como ameaça à prosperidade, levando governos a proteger setores manufatureiros tradicionais para evitar tensões políticas.






