
Quando Mario Draghi apresentou seu relatório sobre competitividade, em 2024, o recado foi claro: a União Europeia precisava correr para não ficar para trás. Um ano depois, as mais de 400 páginas redigidas pelo ex-primeiro-ministro italiano se tornaram uma espécie de bússola econômica para o bloco. Ainda assim, a UE está longe de atingir o ritmo necessário para conseguir repaginar a estrutura produtiva do continente.
Nos pronunciamentos rotineiros em Bruxelas é comum ver a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, se escorar no documento do ex-primeiro-ministro italiano para justificar suas decisões. No duro debate a favor do acordo com o Mercosul, por exemplo, a chefe do poder executivo europeu costuma ressaltar a necessidade da UE de encontrar novos parceiros, um ponto destacado do texto de Draghi.
Um levantamento do Draghi Observatory, ligado ao European Policy Innovation Council, revela que um ano depois da apresentação do relatório apenas 11,2% das 383 recomendações foram plenamente implementadas. Quase metade ainda está em andamento e mais de um quinto nem foi iniciado.
No aniversário do relatório, o canto de parabéns veio em tom de crítica: “Um ano depois, a Europa está em uma situação ainda mais difícil. Nosso modelo de crescimento está se esgotando. As vulnerabilidades estão aumentando e fomos lembrados, dolorosamente, de que a passividade ameaça não apenas nossa competitividade, mas a nossa própria soberania”, disparou Draghi em discurso em Bruxelas.
O descompasso também aparece por setor: transporte e matérias-primas avançaram, enquanto energia e digitalização seguem travados em disputas políticas e regulações que emperram a execução.
Do lado da presidência da Comissão, Ursula von der Leyen reforçou o compromisso institucional com metas ambiciosas: “Esse será o ponto central do próximo orçamento europeu com uma proposta de mais de 400 bilhões de euros. O objetivo é aumentar o ritmo, acelerar os processos.” Ela destacou ainda que “só o que é medido é realizado”, afirmando que o atual mapa estratégico para o mercado único e a inovação exigirá prazos concretos e monitoramento rígido.
A alemã também elencou números já alcançados na caminhada traçada por Draghi. No último ano, o bloco mobilizou mais de um trilhão de euros em investimentos para inovação, tecnologias limpas e defesa. Ao todo, 33 projetos estratégicos já saíram do papel e a estimativa é que a economia europeia cresça 1,1% em 2025, com a criação de mais de 700 mil empregos. Von der Leyen aponta ainda resultados concretos, como a instalação de pontos de recarga para caminhões elétricos em nove países e novos interconectores para garantir energia estável.
O relatório e o acordo UE-Mercosul
Embora o acordo UE-Mercosul siga cercado de resistências internas, especialmente em temas ambientais e de proteção à agricultura europeia, o Relatório Draghi reforça que sem a diversificação de mercados e sem o fortalecimento das cadeias globais, a UE corre o risco de perder terreno no cenário internacional. O texto elaborado pelo ex-presidente do Banco Central Europeu insiste na necessidade de a Europa ampliar o acesso a matérias-primas estratégicas e diversificar as cadeias de fornecimento, reduzindo a dependência externa em setores como energia e indústria verde. O Mercosul, com vastas reservas de minerais críticos, potencial agrícola e possibilidades de cooperação energética, aparece como parceiro natural nesse processo.
Em um momento em que outras potências avançam para consolidar suas próprias zonas de influência, a Europa se vê espremida entre os Estados Unidos e a China. E pra escapar deste arrocho, os europeus tentam firmar acordos comerciais robustos não apenas com os sul-americanos, mas também com países como México, Índia e Indonésia.
A conexão entre o relatório e o tratado é clara: se a União Europeia quer transformar intenções em entregas, precisa superar seus impasses internos e acelerar negociações estratégicas. O Mercosul é uma dessas oportunidades de impacto imediato. O dilema, como Draghi advertiu em Bruxelas, é se a Europa continuará a produzir planos ou se terá coragem de implementá-los.