
A União Europeia e os Estados Unidos caminham para um acordo comercial antes da data limite de 1º de agosto. No entanto, apesar do otimismo de Bruxelas, o clima não está dos melhores.
O impasse na Organização Mundial do Comércio (OMC) voltou ao centro do debate europeu nesta semana, após o presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu, Bernd Lange, afirmar que a União Europeia estuda alternativas para manter vivo o sistema multilateral de comércio. Incluindo, em último caso, a retirada dos Estados Unidos da OMC.
A declaração foi feita ao jornal O Estado de S. Paulo e reflete o crescente mal-estar europeu com a postura norte-americana, especialmente após o retorno de Donald Trump à Casa Branca. “O mundo mudou com esse segundo mandato. Precisamos de novas regras e, se necessário, sem os EUA”, disse Lange.
A fala, embora sem efeito prático imediato, escancara o ponto de ruptura entre Bruxelas e Washington em um tema historicamente sensível: o respeito às regras multilaterais.
O descontentamento europeu não é recente. Os Estados Unidos têm sistematicamente bloqueado a nomeação de juízes para o Órgão de Apelação da OMC — que está inoperante desde 2020. Na última reunião em Genebra, em julho, Washington vetou pela 86ª vez a recomposição do corpo jurídico.
Além disso, o país acumula dois anos de atraso nos repasses financeiros à entidade. Para parlamentares europeus, trata-se de uma tentativa deliberada de esvaziar a estrutura de governança global.
Apesar do tom duro, a exclusão dos EUA da OMC é uma medida considerada extrema. Tecnicamente, seria possível por meio de uma emenda ao Tratado de Marraqueche, que rege a organização, exigindo o apoio de dois terços dos membros e, em seguida, de três quartos caso haja recusa por parte do país-alvo. É um caminho tortuoso e altamente improvável em curto prazo.
Na prática, a UE trabalha em múltiplas frentes: pressiona por reformas internas na OMC, estuda a criação de mecanismos paralelos de solução de controvérsias e reforça alianças comerciais com países do Indo-Pacífico, como os integrantes do CPTPP.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, chegou a propor publicamente uma nova instância arbitral liderada por europeus e países do Pacífico, enquanto o chanceler alemão Friedrich Merz descreveu a atual OMC como “disfuncional” e defendeu uma “reengenharia pragmática”.
O peso do gesto
A eventual exclusão dos EUA da OMC teria impacto simbólico e prático de grandes proporções. Washington ainda representa a maior economia individual do mundo em termos nominais e é um dos pilares fundadores do sistema multilateral de comércio. Sua saída oficializada poderia acelerar a fragmentação do comércio global e enfraquecer ainda mais o papel da OMC.
Ainda assim, há quem veja no gesto uma estratégia para elevar a pressão. “A mera discussão sobre o tema já serve como alerta de que a paciência europeia se esgotou”, avalia um diplomata ouvido reservadamente em Bruxelas. Segundo ele, a UE aposta em diplomacia com alto teor de dissuasão.
A escalada verbal europeia acontece em um momento de crescente tensão comercial. Em maio, a UE anunciou um pacote de contramedidas sobre €95 bilhões em produtos norte-americanos, após a imposição de novas tarifas por parte dos EUA. O bloco também reativou contenciosos contra Washington na própria OMC — ironicamente, a mesma instituição cuja legitimidade os EUA contestam.
Em paralelo, a Comissão Europeia tem reforçado sua presença em fóruns alternativos, como o Conselho de Comércio e Tecnologia com os EUA (TTC), e vem estimulando acordos bilaterais com países da América Latina e do Indo-Pacífico.