
Quando o trem de alta velocidade AVE fez sua viagem inaugural entre Madri e Sevilha, em 1992, o país vivia um momento de euforia econômica e projeção internacional. O evento coincidiu com a Expo 92 e simbolizou a ambição de uma Espanha moderna, conectada e aberta ao mundo. Três décadas depois, o projeto que nasceu como vitrine transformou-se na rede ferroviária de alta velocidade mais extensa da Europa e a segunda maior do planeta, atrás apenas da China.
Com 3.973 quilômetros de linhas em operação, a Espanha transportou cerca de 39 milhões de passageiros em 2024, um aumento de 22% em relação ao ano anterior, segundo dados da Comissão Nacional dos Mercados e da Concorrência (CNMC). Desde 2019, o crescimento acumulado é de 77%, impulsionado pela liberalização do setor e pela entrada de operadores privados como Ouigo e Iryo, que se somaram à estatal Renfe.
Preço menor, demanda recorde
A abertura do mercado em 2021 alterou radicalmente a dinâmica do AVE. A concorrência derrubou tarifas em até 35% em alguns corredores, tornando a alta velocidade mais acessível e reduzindo a dependência do transporte aéreo em viagens domésticas. O resultado foi um recorde de passageiros em rotas como Madri–Barcelona (14,6 milhões) e Madri–Valência (5,6 milhões), além de fortes altas em ligações com o sul e o leste do país.
O efeito imediato foi também positivo para a Renfe, que encerrou 2024 com 537 milhões de passageiros no total – somando todas as modalidades – e um déficit reduzido a 2,95 milhões de euros, ante 121 milhões no ano anterior.
O sucesso comercial recente não apaga críticas antigas. Desde a inauguração, analistas questionam a lógica de investir mais de 55 bilhões de euros em infraestrutura que, segundo a Autoridade Independente de Responsabilidade Fiscal (Airef), dificilmente se pagará apenas com retornos socioeconômicos.
Estudos mostram que apenas alguns corredores, como Madri–Andaluzia e Madri–Catalunha/França, alcançam o patamar mínimo de demanda recomendado pela Comissão Europeia para justificar uma linha de alta velocidade. Além disso, a configuração centralizada, com quase todas as rotas partindo da capital, concentrou os benefícios econômicos nas grandes cidades, deixando municípios intermediários com ganhos limitados.
Desafios operacionais
O crescimento acelerado trouxe também novos problemas. O compartilhamento de estações e trilhos com trens convencionais gerou gargalos e afetou a pontualidade, até então um dos trunfos do AVE. Passageiros relatam atrasos e queda na qualidade do serviço, com mais ocorrências de interrupções prolongadas.
Segundo especialistas, a expansão da rede precisará vir acompanhada de investimentos na conexão com linhas regionais e de média distância, para ampliar o acesso ao sistema e evitar a sobrecarga das principais rotas.
Apesar das críticas, o governo mantém o programa de expansão, que prevê mais 1.500 quilômetros de linhas nos próximos anos e vê no AVE um instrumento de coesão territorial e de alinhamento às metas climáticas da União Europeia, que pretende reduzir em 90% as emissões de transporte até 2050.