Quer saber como resolver o problema dos sem-teto? Pergunte à Finlândia

O país reduziu drasticamente o número de moradores de rua com uma abordagem tão revolucionária quanto óbvia: ele ofereceu teto a quem não tinha

19 de fevereiro de 2019 5 minutos
Europeanway

Em 2017, o número de pessoas que dormem nas ruas subiu 7%. Na Alemanha, entre 2016 e 2017, o número de sem-teto cresceu 35%, enquanto na França, houve um aumento de 50% nos últimos 11 anos. Mesmo sendo as três maiores economias da Europa, os três países não conseguiram resolver a questão. Em todo o continente, aliás, o problema tem se espalhado – menos na Finlândia.

Lá, o número de desabrigados tem diminuído drasticamente. E qual o segredo? Na verdade, não há segredo algum. O país fez o óbvio: para diminuir o problema dos sem-teto, o país deu teto a quem precisa. E o resultado é comprovado pelos números. Nos anos 80, eram mais de 20 mil pessoas nas ruas, mais que o triplo das atuas 6,6 mil. E mais: segundo os dados mais recentes, apenas 18% dos beneficiários voltam para as ruas.

Para adotar essa abordagem, o país subverteu um raciocínio "filosófico", por assim dizer, como explica o Fórum Econômico Mundial. Explica-se: uma pessoa pode ir parar nas ruas por diversos motivos, que incluem perda repentina de emprego, colapso familiar, abuso grave de substâncias ou problemas de saúde mental. Seja qual for o caso, a maioria das políticas de apoio aos sem-teto baseiam-se na premissa de que o morador de rua precisa superar esses problemas antes de obter acomodação permanente. O que os finlandeses fizeram foi oferecer teto aos desabrigados antes de qualquer coisa.

Criada em 2007, a iniciativa foi batizada de Moradia Primeiro. Ele se baseia na ideia de que ter um lar permanente pode facilitar a solução dos problemas (de saúde e sociais) que a pessoa está enfrentando – em vez de exigir que a pessoa coloque sua vida nos trilhos até que seja capaz de bancar uma habitação.

Beneficiários pagam aluguel
No programa, os sem-teto recebem moradia permanente em um contrato de arrendamento normal. E não há "caridade" nessa abordagem: os inquilinos pagam aluguel. O que ocorre é que, dependendo do rendimento, o beneficiário pode ou não pagar por serviços adicionais que recebem. Em alguns casos, o governo subsidia parte das despesas.

Ao mesmo tempo em que recebem uma casa, os beneficiários recebem serviços de apoio personalizados. Qualquer um pode reservar uma consulta com um assessor de habitação e receber conselhos sobre coisas como problemas em pagar o aluguel, por exemplo, ou solicitar serviços de aconselhamento financeiro, que ajudam a pessoa a reequilibrar suas finanças e pagar dívidas.

O bom funcionamento do Moradia Primeiro deve-se, entre outros motivos, ao fato de não ser responsabilidade exclusiva do Estado. Voluntários, municípios e organizações não-governamentais também participam do trabalho, explica Juha Kaakinen, executivo-chefe da Y-Foundation, uma empresa social que fornece moradia para o programa.

Claro que o Moradia Primeiro tem desafios a enfrentar. Um deles é a falta crônica de moradias. Para superar esse obstáculo, o governo comprou apartamentos e também construiu novos blocos residenciais para ampliar a rede de habitações. Não há mais abrigos para sem-teto: todos foram transformados em casas do programa.

O gasto vira economia
Sim, é preciso gastar, mas a abordagem também significa economia para o país “Tudo isso custa dinheiro”, admite Kaakinen. “Mas há uma grande evidência, atestada por muitos países, de que é sempre mais econômico acabar com a falta de moradia em vez de simplesmente tentar administrá-la. O investimento para acabar com a falta de casas sempre se paga. Isso sem falar das razões humanas e éticas." Por ano, afirma Kaakinen, economiza-se o equivalente a R$ 40 mil  por pessoa incluída no programa do que deixando-a desabrigada.

Não há consenso sobre essa política; há, sim, quem se oponha a ela. Mas o Moradia Primeiro argumenta que é muito mais difícil resolver qualquer problema quando não se tem um teto sobre a cabeça. Nas palavras de uma pessoa que se beneficiou do programa: “A falta de moradia também significava o uso diário de álcool. Nem era tanto uma questão de querer se embriagar, mas mais de fazer o tempo passar. Quando eu tive um apartamento, passei vários meses sem beber. Você não conseguer ficar sóbrio quando está sem lar. Ninguém consegue."

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