“Quem quer, pode”: mulheres militares espanholas convocam jovens a romper barreiras

10 de outubro de 2025 4 minutos
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Uma farmacêutica de alta patente, uma piloto de caça, veteranas da artilharia, da marinha e da medicina aeroespacial se reuniram em Madri em um painel que poderia soar apenas simbólico. Oito mulheres das Forças Armadas e da Unidade Militar de Emergências (UME) da Espanha lançaram um chamado direto às gerações mais jovens: “la que quiere, puede” (quem quer, pode). Mais do que um slogan motivacional, a expressão evidencia um gargalo persistente. Apesar dos avanços, o caminho para a equidade nas forças armadas europeias ainda demanda ajustes estruturais e simbólicos.

O evento, mediado pela organização Artículo 14, reuniu oficiais de diferentes ramos – Exército, Marinha, Aeronáutica e UME – para relatar não apenas suas trajetórias, mas também as tensões cotidianas de conciliar vida pessoal, exigências profissionais e a ainda visível marca da desigualdade de gênero. Embora tenham se referido amplamente à igualdade de tratamento e afirmado que “em nenhum momento sentiram diferença por ser mulher”, reconheceram coletivamente que o ingresso e o crescimento nas forças exigem mais do que coragem. Demandam apoio institucional e mudanças culturais profundas.

A coronel Beatriz Puente afirmou que há “tempo para tudo”, enquanto a tenente de navio María Porras defendeu as medidas de conciliação já implementadas nas Forças Armadas, que visam permitir que uma mulher leve adiante sua carreira militar e pessoal. Para a sargento Verónica Restrepo e a tenente-coronel Rodríguez, ingressar em uma unidade como a UME exige clareza de vocação, já que é preciso dispor de muito tempo da vida pessoal.

Essa convocação faz lembrar que nem sempre o discurso acompanha a prática. Segundo estimativas da União Europeia, as mulheres representam em média apenas 10% do efetivo das Forças Armadas nos países membros. Em muitas nações, os postos de chefia continuam predominantemente masculinos, e os obstáculos à promoção, desde vieses institucionais até a cultura organizacional, ainda persistem.

O apelo espanhol ocorre num momento em que a Europa passa por mudanças estruturais em defesa. Em meio ao clima de insegurança provocado pela guerra na Ucrânia e pelo risco de escalada regional, os Estados-membros revisitam o papel do serviço militar, inclusive com propostas de reintegração da conscrição. Esse retorno, porém, não é homogêneo nem linear. Uma das principais discussões emergentes é sua aplicação equânime às mulheres.

Um caso emblemático é o da Dinamarca, que aprovou recentemente a inclusão obrigatória de mulheres nos processos de seleção para o serviço militar a partir de 2025. A medida busca alinhar deveres e direitos por gênero, em nome da robustez e da resiliência nacional. A mudança obrigará mulheres que completarem 18 anos após 1º de julho de 2025 a participar do “Armed Forces Day” e serem avaliadas sob as mesmas regras aplicadas aos homens.

Enquanto isso, a Comissão Europeia oferece sua própria contribuição simbólica e operacional. O plano Readiness 2030, sucessor do ReArm Europe, propõe investimentos de até 800 bilhões de euros para reforçar as capacidades defensivas europeias. A iniciativa surge num momento em que muitos países reconhecem a necessidade de aumentar seus efetivos e complementar reservas estruturais. O programa também busca estimular vetores de cooperação multinacional, interoperabilidade e padronização, incluindo critérios de diversidade e igualdade de gênero nos quadros militares.

O painel espanhol deixa claro que a mensagem de estímulo apenas ganha força se vier acompanhada de mudanças concretas. Entre as principais medidas apontadas estão:

  • Estrutura de suporte institucional: licença-maternidade, flexibilidade de horários, políticas de reintegração e dispositivos que não penalizem quem assume responsabilidades familiares.
  • Capacitação e sensibilização cultural: treinamentos para reduzir vieses, canais seguros de denúncia e promoção de lideranças femininas como modelos visíveis.
  • Avaliação contínua de impacto: monitoramento dos avanços em participação feminina, igualdade salarial e critérios de promoção, com transparência pública.
  • Padronização e coordenação europeia: em um contexto de integração de defesa, normas comuns em recrutamento, condições e igualdade de gênero facilitam mobilidade, intercâmbio e coesão estratégica.

Há sinais de que o discurso começa a se mover, ainda que a passos lentos. O Parlamento Europeu, por exemplo, publicou estudos recentes destacando os benefícios da participação feminina em segurança e relações exteriores e a necessidade de reduzir o fosso existente nos postos de decisão. Mas, como disse uma das oficiais em Madri, quem tem a vontade pode, desde que a estrutura institucional e cultural também queira acompanhar.

Palavras-chave:

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