O gelo derrete e redesenha as rotas globais entre China e Europa

20 de outubro de 2025 3 minutos
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O que antes era uma barreira intransponível agora virou corredor comercial. Pela primeira vez, um navio cargueiro chinês cruzou o Ártico até a Europa em uma viagem comercial, reduzindo pela metade o tempo de entrega entre a Ásia e o continente europeu. O Istanbul Bridge, operado pela Sea Legend Line, deixou o complexo portuário de Ningbo-Zhoushan, na China, e chegou ao porto britânico de Felixstowe em apenas 20 dias, um trajeto que tradicionalmente levaria entre 40 e 50 dias via Canal de Suez. A bordo, estavam aproximadamente 4 mil contêineres com veículos elétricos, painéis solares e baterias de lítio destinados a mercados como Alemanha, Polônia e Países Baixos.

A façanha náutica é mais do que um feito logístico. É o retrato de um planeta em transformação e de um novo tabuleiro geopolítico em que o derretimento do gelo se converte em oportunidade econômica.

A rota utilizada, conhecida como Northern Sea Route (Rota do Norte), passa inteiramente por águas dentro da zona econômica exclusiva da Rússia. O que até recentemente era um corredor congelado durante boa parte do ano tornou-se navegável por conta do aquecimento global: segundo a Organização Meteorológica Mundial, o Ártico aquece quatro vezes mais rápido do que a média do planeta.

Pequim há tempos se prepara para esse cenário. Desde 2013, a China coopera com Moscou para consolidar o corredor ártico como alternativa às rotas tradicionais, reduzindo sua dependência do Estreito de Malaca e do Canal de Suez – gargalos que a tornam vulnerável em tempos de tensão com os Estados Unidos. Agora, com a queda nas exportações para o mercado americano e um aumento de 14% nas vendas para a Europa em setembro, o país aposta na nova via polar como símbolo de uma reconfiguração global do comércio.

A Sea Legend Line, que opera o Istanbul Bridge, afirma que a rota reduz custos, tempo e emissões de CO₂, ao encurtar quase pela metade o percurso marítimo convencional. Mas a promessa de eficiência vem acompanhada de riscos. A Northern Sea Route carece de infraestrutura portuária, monitoramento climático e sistemas de emergência comparáveis aos das rotas consolidadas. Além disso, sua utilização depende fortemente da frota de quebra-gelos russa, operada pela estatal Rosatom, o que torna a Europa dependente de um eixo logístico sino-russo em um momento de tensões crescentes com Moscou.

Washington, por sua vez, já reagiu: os Estados Unidos e a Finlândia assinaram recentemente um acordo para construir novos quebra-gelos e reforçar a presença no Ártico, um movimento interpretado como resposta direta ao avanço da China e da Rússia na região.

Para a Europa, a rota ártica é uma faca de dois gumes. Se por um lado acelera a chegada de produtos estratégicos e reduz custos logísticos, por outro aprofunda a dependência de um eixo sino-russo em momento delicado: Bruxelas enrijece o controle sobre veículos elétricos chineses subsidiados enquanto busca reduzir vínculos energéticos com Moscou. O gelo que encurta distâncias também estreita margens de manobra.

A chegada do Istanbul Bridge ao Reino Unido, portanto, representa mais do que uma entrega rápida. É um prenúncio de como a crise climática e as rivalidades econômicas estão reescrevendo os mapas marítimos e estratégicos do século XXI. O gelo que antes separava continentes agora aproxima economias e expõe as contradições de um mundo em que o progresso logístico nasce, paradoxalmente, do aquecimento do planeta.

 

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