Mulheres na gastronomia francesa: reescrevendo a história com sabor e determinação

19 de outubro de 2023 5 minutos
Europeanway

É inegável afirmar que a França é uma referência mundial em gastronomia, e as mulheres estão conquistando o reconhecimento que sempre mereceram nas cozinhas mais prestigiadas do mundo. Enquanto, nos anos 1920, as mulheres cozinheiras eram as principais protagonistas em todo o país, nos anos 1970 a gastronomia passou a ser apresentada e vendida sob uma aura de masculinidade, criando a imagem de equipes chefiadas e compostas apenas por homens. Grandes nomes como Alain Ducasse, Paul Bocuse, Joël Robuchon, Pierre Gagnaire, Alain Passard e Guy Savoy se destacaram, muitas vezes usando narrativas que remetiam às receitas de suas próprias mães e avós.

Enquanto os homens continuavam a obter sucesso e ocupar o cenário gastronômico, as mulheres estavam se preparando para fazer um retorno triunfante. Grandes veteranas, como Anne Sophie Pic e Helène Darroze, foram pioneiras nesse movimento e abriram o caminho para outras. Elas também têm raízes em famílias de renomados cozinheiros.

Um estudo realizado pela revista internacional Chef’s Pencil em 2022 revelou que apenas 6% dos restaurantes considerados os melhores do mundo são comandados por mulheres. A análise considerou 2.286 restaurantes com estrela Michelin em 16 países, assim como os 100 melhores estabelecimentos do mundo classificados pelo grupo The World’s 50 Best no último ano. A disparidade de gênero varia de acordo com o país, mas em todos os casos, é evidente. Na Itália e na Espanha, que lideram a lista de chefs mulheres premiadas, a porcentagem varia de 10 a 11%. Países como Cingapura, Irlanda, Suécia e Dinamarca sequer possuem um nome feminino nos rankings.

No entanto, em Paris, uma nova cena gastronômica 100% feminina está florescendo como nunca antes. Fica evidente que as mulheres se adaptam mais facilmente aos tempos modernos da culinária, trazendo uma visão mais contemporânea e a capacidade de transformar cozinhas regionais e tradicionais com maestria e um toque de criatividade. Algumas delas romperam com as estruturas antiquadas dos restaurantes clássicos para abrir seus próprios negócios, assumindo o papel de chef e empresária. Um exemplo é a carioca Alessandra Montagne, que lidera o Nosso, um dos endereços mais comentados da capital francesa nos últimos meses. Ela defende valores de colaboração e enfatiza a importância da união da equipe, acreditando que um ecossistema alimentar colaborativo é a chave para o sucesso. No seu restaurante, Alessandra serve interpretações modernas da cozinha francesa com uma pitada de criatividade e influências da culinária brasileira.

Julia Sedefdjian, por sua vez, passou por todas as posições em cozinhas tradicionais e se tornou a chef mais jovem a receber uma estrela na França. Desde 2018, ela comanda o seu restaurante Baieta, que presta homenagem à sua origem niçoise e oferece três menus criativos com influência mediterrânea. Recentemente, Julia inaugurou o ousado Cicéron, um estabelecimento dedicado ao grão-de-bico que funciona como empório e rotisseria.

Para marcar uma nova era e mostrar que a predominância masculina nas cozinhas é coisa do passado, o renomado chef Alain Ducasse confiou as chaves do seu querido bistrô Aux Lyonnais a Marie-Victorine Manoa, nascida em Lyon. Com experiência ao lado de grandes nomes, como Alex Atala, ela decidiu seguir fielmente a cozinha regional de seu pai, que ainda mantém um restaurante em sua cidade natal.

Amandine Chaignot, por sua vez, reverencia sua avó Luce como sua principal fonte de inspiração culinária. Ela recentemente abriu o Café de Luce em Montmartre, bairro onde ela vive e circula intensamente, depois de consolidar o sucesso do seu incrível restaurante Pouliche. Chaignot também é responsável pela criação do cardápio vegetariano primavera-verão da companhia aérea Air France.

A história marcante de Ecaterina Paraschiv, uma imigrante romena que veio como refugiada de Bucareste a Paris aos 6 anos, permeia uma conexão eterna com sua família por meio da sua culinária. No Ibrik Kitchen, Catthy – como é carinhosamente chamada – expressa suas raízes profundas em receitas do Levante de uma maneira ultramoderna e simpática. Ela é uma defensora da cozinha sustentável.

Cybèle Idelot nasceu em San Francisco, o berço da culinária saudável. No seu restaurante La Table de Cybèle, ela destaca uma culinária com foco em ingredientes locais e sustentabilidade, apresentando o vegetal como a principal estrela de seu trabalho. Por esse motivo, ela adquiriu um terreno de 1,4 hectares próximo a Paris, chamado de Domaine les Bruyères, onde cultiva seus vegetais em permacultura e planta uma floresta frutífera. Além disso, ela recebe os clientes em uma charmosa casa de campo recém-reformada e cozinha no seu novo restaurante Ruche, que significa colmeia em português.

Muitos significados, esperanças e verdadeiras mudanças estão acontecendo nas cozinhas francesas e em todo o mundo. As mulheres nos inspiram com suas histórias de sucesso e estão definitivamente moldando um novo rumo e estilo na gastronomia – que, afinal, tem um nome feminino. Estão prontas para escrever, transcrever e transmitir os próximos capítulos da história da comida. E isso é motivo de celebração.

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