
A Alemanha pode estar prestes a encerrar uma de suas marcas registradas: a ausência de limite de velocidade nas autobahns. A questão, que há anos divide opiniões, ganhou novo fôlego diante de pressões ambientais e de segurança viária. Ambientalistas e especialistas em transporte defendem a mudança como um passo necessário para reduzir emissões e acidentes. Do outro lado, a indústria automobilística e entusiastas da direção argumentam que a medida pode comprometer a liberdade nas estradas e até afetar a economia.
A origem dessa política remonta ao pós-guerra, quando a Alemanha associou a ausência de restrições nas rodovias a um símbolo de liberdade. O slogan “Condução livre para cidadãos livres” cristalizou essa ideia, tornando qualquer proposta de regulamentação um tema sensível.
No entanto, evidências científicas vêm fortalecendo o argumento dos defensores do limite. Estudos indicam que estabelecer um teto de 130 km/h reduziria significativamente as emissões de CO₂, além de minimizar ruídos e aumentar a segurança. A Agência Federal do Meio Ambiente da Alemanha defende que a medida poderia contribuir para a meta climática do país, alinhando-se a padrões adotados na maior parte da Europa.
Outra vantagem: haveria menos acidentes, pois carros que rodam mais devagar freiam mais rápido. Contudo, uma redução de cerca de 70% só se daria a partir de um limite de 100 km/h nas rodovias federais.
Menos rapidez significa também menos barulho: um automóvel a 100 km/h é aproximadamente 50% mais silencioso do que um a 130 km/h. Os engarrafamentos seriam, ainda, menos numerosos devido ao menor acúmulo de carros nas ruas simultaneamente. A 100 km/h ou menos, o efeito seria ainda mais marcante.
O cenário político também reflete essa mudança. Pesquisas recentes apontam que a resistência popular ao limite de velocidade está diminuindo. Segundo levantamento do Automóvel Clube da Alemanha (ADAC), 54% dos entrevistados apoiam a imposição de um limite, contra 41% contrários. Uma virada significativa, considerando que, até poucos anos atrás, a maioria rejeitava qualquer interferência nesse aspecto.
Quais os argumentos contra a velocidade restrita
Segundo uma consulta da seguradora Allianz, os opositores do limite são sobretudo homens, motoristas que percorrem mais de 50 mil quilômetros por ano e jovens abaixo de 24 anos, alegando temer mais engarrafamentos e viagens mais alongadas. Ainda assim, na prática, 77% já trafegam voluntariamente a menos de 130 km/h na autobahn.
Há ainda discrepâncias sobre até que ponto uma velocidade máxima reduziria de fato os acidentes. Segundo a ADAC, atualmente, na Alemanha, não ocorrem mais acidentes graves nas rodovias federais do que em países onde há limites. Comparando-se o número de mortos por quilômetro rodado, as autoestradas da França, da Itália, da República Tcheca, da Hungria e dos Estados Unidos são realmente mais fatais; porém, em números absolutos, a Alemanha continua sendo campeã, com 317 vítimas por ano.
A indústria automotiva, tradicionalmente contrária à ideia, observa com cautela o desenrolar da discussão. Empresas como BMW, Mercedes-Benz e Porsche construíram sua reputação sobre carros de alto desempenho, projetados para velocidades elevadas. Para elas, um limite obrigatório pode afetar a percepção do consumidor e enfraquecer um dos diferenciais do mercado alemão.
A decisão final caberá ao governo, que precisará equilibrar tradição e modernidade. Em um país onde o automóvel é parte essencial da identidade nacional, qualquer mudança nessa política será um divisor de águas. O que está em jogo não é apenas uma questão técnica, mas uma redefinição do papel da Alemanha na transição para um futuro mais sustentável e seguro nas estradas.