
A fotografia de líderes europeus reunidos para discutir segurança já não causa estranheza. Em um continente marcado pelas cicatrizes das guerras do século XX, a ideia de rearmamento — por décadas tratada com aversão e cautela — voltou com força ao centro do debate político. A ofensiva russa na Ucrânia, a imprevisibilidade da política externa dos Estados Unidos e a crescente fragmentação da ordem internacional transformaram a defesa europeia de uma agenda periférica em prioridade geoestratégica.
Na vanguarda desse movimento, Polônia e Reino Unido ampliam investimentos e costuram alianças, refletindo não apenas preocupações nacionais, mas um realinhamento mais profundo na arquitetura de segurança da Europa.
A Polônia se tornou, na prática, o novo epicentro da dissuasão europeia. Com um orçamento de defesa que saltou para 4,7% do PIB em 2025 — mais que o dobro da meta de 2% estipulada pela OTAN —, o país sinaliza que não está disposto a reviver os erros do passado. A memória das ocupações e a proximidade geográfica com o conflito ucraniano ajudam a explicar a postura agressiva de Varsóvia, que além de modernizar seu arsenal, também busca liderar uma aliança militar regional.
Mas o movimento não se resume a tanques e caças. A Polônia tem pressionado por maior integração produtiva entre os países europeus no setor de defesa, apontando para um modelo de “autonomia estratégica” que vá além da retórica. A proposta é fomentar um complexo industrial-militar robusto e interdependente, que reduza a dependência tecnológica de players externos — sobretudo dos Estados Unidos.
Mesmo fora da União Europeia, o Reino Unido permanece um fundamental no tabuleiro da segurança continental. Londres comprometeu-se a elevar os gastos com defesa para 2,5% do PIB até 2027, financiando esse esforço com cortes em outras áreas, como a ajuda ao desenvolvimento. Em Bruxelas, o gesto é interpretado como tentativa de manter relevância geopolítica em um continente que Londres oficialmente deixou, mas nunca abandonou.
Além disso, o governo britânico tem reforçado sua cooperação bilateral com países do leste europeu, especialmente a Polônia, numa tentativa de forjar um novo eixo atlântico-báltico de contenção à Rússia — um contrapeso informal à tradicional aliança franco-alemã, mais cautelosa quanto à escalada armamentista.
O pano de fundo desses movimentos é a constatação de que a Europa, como bloco, não está preparada para enfrentar sozinha um conflito de larga escala. A guerra na Ucrânia expôs fragilidades logísticas, industriais e políticas na resposta europeia. A Comissão Europeia agora propõe flexibilizar regras fiscais para permitir mais investimentos em defesa, além de criar instrumentos comuns de compras militares — uma ideia que até pouco tempo atrás soaria inaceitável a muitos países-membros.
No entanto, há divisões internas. A França tenta liderar os esforços por uma defesa europeia mais autônoma, enquanto países do norte do continente tradicionalmente resistem à ideia de flexibilizar suas finanças públicas para bancar gastos militares.
A Alemanha, por décadas símbolo de contenção orçamentária e aversão à militarização — marcada por seu passado histórico e por uma Constituição moldada no pós-guerra —, também vem rompendo com esse paradigma. Após a invasão da Ucrânia, Berlim anunciou um fundo extraordinário de €100 bilhões para reestruturar suas Forças Armadas. Mais recentemente, liberou outros €51,8 bilhões do orçamento federal para reforçar seu investimento em defesa em 2025, superando a meta de 2% do PIB estipulada pela OTAN. A prioridade agora é modernizar equipamentos, ampliar capacidades operacionais e recuperar o poder dissuasório das tropas alemãs, enfraquecido por anos de subinvestimento. O discurso oficial já trata a defesa como “responsabilidade central de Estado”, indicando não apenas uma mudança de política, mas de mentalidade.
O fator Trump e a incerteza transatlântica
A volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos adiciona um elemento de urgência à equação. Suas críticas abertas à OTAN e ameaças reiteradas de condicionar o apoio militar americano à disposição financeira dos aliados europeus reacenderam preocupações sobre a confiabilidade do pacto transatlântico. Países como Polônia, Estônia e Letônia já discutem metas de investimento ainda mais ambiciosas — de até 5% do PIB — como forma de compensar uma possível retração dos Estados Unidos.
Não se trata apenas de responder a Washington, mas de preparar o continente para um cenário em que o guarda-chuva nuclear e logístico americano não seja mais garantido. Em outras palavras, a Europa está sendo forçada a pensar o impensável: e se tiver de se defender sozinha?