Europa redefine a defesa em uma era orientada por dados

16 de setembro de 2025 5 minutos
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A guerra na Ucrânia acelerou uma transformação que já se desenhava: a centralidade da informação e da tecnologia como vetores de poder militar. Satélites, drones e inteligência artificial não são mais recursos auxiliares, mas a espinha dorsal de uma nova arquitetura bélica. Para a Europa, o desafio não é apenas aumentar orçamentos, mas transformar intenção em capacidade real, num ambiente em que a inovação tecnológica avança em ciclos cada vez mais curtos.

Os números recentes revelam a dimensão dessa mudança. Em 2024, os Estados-membros da União Europeia destinaram €343 bilhões à defesa, e a projeção para 2025 é de €381 bilhões, o equivalente a cerca de 2,1% do PIB agregado do bloco, superando pela primeira vez a meta formal de 2% fixada pela OTAN. Esse crescimento não se limita ao volume total: pela primeira vez, o investimento em equipamentos militares e procurement ultrapassou €100 bilhões, com mais de 80% desse valor destinado à aquisição de novos sistemas. É uma inflexão clara: menos foco em manutenção e mais em transformação estrutural.

Essa inflexão também se materializa no Fundo Europeu de Defesa (EDF). Em 2024, a Comissão Europeia aprovou 62 projetos no valor de €910 milhões, voltados para drones, defesa contra armas hipersônicas e varredura autônoma de mina. Para 2025, o programa de trabalho do EDF prevê €1,065 bilhão destinado a pesquisa e desenvolvimento colaborativo em áreas como ciberdefesa, espaço e sistemas terrestres e marítimos. Trata-se de um esforço explícito para fechar lacunas críticas de capacidade e preparar o bloco para cenários de guerra altamente digitalizados.

A experiência ucraniana funciona como laboratório dessa revolução. Enfrentando um adversário numericamente superior, Kiev conseguiu impor perdas significativas à Frota Russa do Mar Negro, obrigando Moscou a retirar navios de Sebastopol. Essa vitória foi construída não sobre plataformas convencionais, mas a partir da integração de drones marítimos, mísseis de precisão e análise de dados em tempo real. Pela primeira vez, um país sem marinha convencional obteve supremacia relativa no mar. E fez isso explorando recursos de informação, não de tonelagem naval.

A Europa, contudo, enfrenta desafios estruturais para reproduzir essa agilidade. O modelo tradicional de aquisição militar, marcado por especificações rígidas e prazos de uma década, não é compatível com um ambiente em que sensores miniaturizados, satélites de baixa órbita e algoritmos de inteligência artificial se tornam obsoletos em meses. A própria OTAN já mostrou que outro caminho é possível: entre março e junho de 2024, a aliança contratou dados de satélite e ferramentas de IA de fornecedores privados para monitorar a fronteira russa, passando da concepção à operação em apenas três meses. O contraste com os processos habituais expõe a urgência de uma mudança de paradigma.

Parte dessa mudança virá do setor privado. Startups estão emergindo como atores-chave da defesa europeia. O caso mais emblemático é o da alemã Helsing, que em 2025 captou €600 milhões numa rodada de investimentos, alcançando avaliação de €12 bilhões e consolidando-se como um dos líderes globais em inteligência artificial aplicada à defesa. Além de software, a empresa desenvolve drones de ataque e sistemas de vigilância subaquática autônomos, mostrando como a inovação militar hoje nasce, em grande medida, do ecossistema civil. Não por acaso, o capital de risco acompanha essa tendência: só no primeiro semestre de 2025, startups europeias de tecnologia de defesa receberam cerca de €946 milhões, um aumento de 26% em relação ao ano anterior.

Esse dinamismo, porém, convive com vulnerabilidades. A Europa depende fortemente de cadeias externas para microchips, sensores e ligas metálicas especiais, muitas vezes controladas por potências rivais como a China, que já domina segmentos cruciais do mercado de drones comerciais. Além disso, a integração de inteligência artificial em operações bélicas levanta dilemas éticos e jurídicos sobre o uso de autonomia letal, algo especialmente sensível em sociedades que se orgulham de sua tradição regulatória. A fragmentação política também pesa: enquanto países do leste europeu priorizam dissuasão contra Moscou, nações mediterrâneas concentram-se em segurança marítima e controle de fluxos híbridos, criando um mosaico de interesses que nem sempre converge para uma estratégia unificada.

A pressão internacional tende a aumentar. Em 2025, a OTAN aprovou uma meta de elevar os gastos de defesa de seus membros para 5% do PIB até 2035, uma decisão que pode forçar governos europeus a acelerar modernizações e harmonizar investimentos. Esse horizonte adiciona uma camada de complexidade: ao mesmo tempo em que amplia a necessidade de recursos, exige que esses recursos sejam alocados em projetos eficazes, ágeis e tecnologicamente sustentáveis.

 

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