Uma base militar secreta norte-americana abandonada no auge da Guerra Fria e que foi totalmente coberta por camadas de gelo na Groenlândia está lentamente retornando à superfície. A revelação aparece em um relatório publicado por cientistas dinamarqueses.
Conhecida como Camp Century, a estrutura foi erguida no extremo norte da Groenlândia – que integra o Reino da Dinamarca – nos anos 50 para funcionar oficialmente como uma estação de pesquisa. Mas, décadas mais tarde, foi revelado que o local tratava-se, na verdade, de uma base militar secreta, abastecida pelo primeiro reator nuclear móvel do mundo. Ela foi construída para servir de base de lançamento de mísseis nucleares contra a União Soviética em caso de guerra.
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Os mísseis seriam armazenados em uma rede de túneis e laboratórios. No entanto, problemas de engenharia e objeções da Dinamarca sobre o objetivo real da base levaram os militares americanos a fechá-la em 1966, confiantes de que a instalação gradualmente seria enterrada naturalmente no gelo.
Ruth Mottram, do Instituto Meteorológico Dinamarquês, afirma que a camada de gelo da Groenlândia parece ter encolhido mais no último mês do que a média de um ano inteiro desde 2002, segundo dados provisórios de satélite. Os governos da Dinamarca e da Groenlândia – território que tem relativa autonomia – montaram um programa de monitoramento climático em 2017 para rastrear os restos de Camp Century, informa a BBC.
Alguns pesquisadores acreditam que a base pode até cair no mar. Pesquisas feitas com radares indicaram, por outro lado, que Camp Century ainda está a 100km da borda (da calota polar) e que "levará muitos, muitos anos antes de chegar a um ponto crítico", segundo a glaciologista dinamarquesa Nanna Karlsson. Mas, como relata a emissora TV2, "as mudanças climáticas colocaram em dúvida este plano" porque o gelo da Groenlândia está derretendo.
O mais recente relatório de Karlsson e seus colegas do Serviço Geológico da Dinamarca e Groenlândia (GEUS) usa dados de radar para detalhar o quanto a base se moveu desde 1959. Os cientistas percorreram a calota de gelo há dois anos, arrastando consigo dispositivos de radar. Karlsson diz que foram localizadas as formas cônicas dos tetos dos túneis a uma profundidade de 50 metros. A expedição também descobriu que a base e suas estimadas 9,2 mil toneladas de sucata e resíduos de óleos, que representam um risco ambiental, além da preocupação gerada pelos resíduos radioativos do reator nuclear, estão afundando.
Os cientistas do GEUS dizem que o afundamento da base "pode ter um impacto no tempo que a instalação vai levar para emergir do gelo". E há ainda uma outra incógnita: quem vai limpar a "sujeira". A base foi construída sob um acordo entre Estados Unidos e Dinamarca, sem que o povo da Groenlândia tivesse voz na época.
O acordo "permitiu a Camp Century afundar no gelo com tudo o que continha, incluindo poluentes", reclamou no ano passdado o ministro das Finanças da Groenlândia, Vittus Qujaukitsoq, em declaração ao site de notícias dinamarquês Altinget, A manifestação indica que o governo da ilha espera que a Dinamarca e os EUA estejam prontos para assumir a responsabilidade quando a base emergir.
Teme-se que Camp Century possa lançar ao mar resíduos químicos e nucleares e, com isso, causar problemas ao ecossistema da região. William Colgan, cientista especializado em clima e geleiras, afirma que a incerteza sobre quem assumirá a função de dar conta deste esqueleto da Guerra Fria poderia criar "uma forma totalmente nova de disputa política, resultante das mudanças climáticas".