
O crescimento da extrema direita na Alemanha deixou de ser apenas uma inquietação eleitoral e passou a representar um dilema institucional. Com taxas de apoio em ascensão e protagonismo crescente nos debates públicos, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) tornou-se simultaneamente uma força política relevante e um foco de tensão para as instituições democráticas do país. O movimento recente do Escritório Federal para a Proteção da Constituição (BfV), que classificou formalmente a legenda como “extremista de direita”, reacendeu o debate sobre os limites da legalidade partidária na maior economia da União Europeia.
Segundo uma pesquisa publicada pelo instituto Insa e divulgada pela emissora RTL/ntv, 48% dos alemães defendem a proibição da AfD. Embora a legislação alemã permita a ilegalização de partidos que atentem contra a ordem democrática, trata-se de um instrumento raramente utilizado desde a fundação da República Federal em 1949 — o último caso foi em 1956, com o Partido Comunista da Alemanha.
A classificação do partido como extremista tem implicações jurídicas relevantes. Ela autoriza as autoridades de inteligência interna a monitorar comunicações, vigiar encontros e acionar mecanismos de contenção. Em resposta, a AfD entrou com uma ação judicial contra a medida, alegando perseguição política e quebra do princípio da liberdade partidária. O caso deverá ser analisado pelo tribunal administrativo de Colônia, com potencial de escalar até a Corte Constitucional de Karlsruhe, que historicamente tem se posicionado com cautela diante de decisões que envolvem partidos políticos.
Terreno fértil para a insatisfação
O avanço da AfD não pode ser compreendido fora do contexto econômico e social do país. Após dois anos consecutivos de contração no PIB, a Alemanha atravessa sua pior sequência desde o início dos anos 2000. Pressões inflacionárias, gargalos na cadeia industrial, encarecimento da energia — impulsionado pela ruptura com a Rússia — e dificuldades de integração digital criaram um ambiente de frustração especialmente forte nos estados do leste do país, que historicamente registram indicadores sociais mais frágeis.
É nessas regiões que a AfD tem consolidado sua base. Em eleições estaduais recentes, o partido obteve mais de 30% dos votos em estados como Saxônia e Turíngia. A retórica nacionalista, antieuropeia e anti-imigração tem encontrado eco em segmentos da população que se sentem abandonados por Berlim — e descrentes da capacidade dos partidos tradicionais de oferecer respostas concretas.
A resposta institucional ao crescimento da AfD tem gerado reações mistas no cenário internacional. Figuras como Elon Musk criticaram abertamente a classificação do partido como extremista, sugerindo que a medida fere a liberdade de expressão e de organização política. Nos Estados Unidos, o senador republicano Marco Rubio também expressou preocupação com o que chamou de “cerco ideológico”. Por outro lado, lideranças da União Europeia têm manifestado apoio às medidas alemãs, classificando a ação como necessária para proteger a integridade democrática diante do avanço do radicalismo.
Na política interna, o chanceler Olaf Scholz mantém uma postura firme de repúdio à AfD, mas a fragmentação do centro político limita a capacidade de resposta. A coalizão social-democrata que governa com os verdes e liberais enfrenta desgaste e perda de apoio, enquanto a CDU/CSU, principal força conservadora, vê parte de seu eleitorado migrar para os extremos. O líder da CDU, Friedrich Merz, já declarou que não fará alianças com a AfD — mas a pressão eleitoral torna esse compromisso cada vez mais delicado.
A proposta de banimento da AfD não é apenas controversa — é juridicamente complexa. A Corte Constitucional alemã exige provas robustas de que um partido atua ativamente contra a ordem democrática livre. Expressar opiniões radicais ou mesmo antidemocráticas não é, por si só, motivo suficiente. Além disso, especialistas alertam que uma tentativa malsucedida de banimento pode fortalecer ainda mais o partido, ao permitir que se vitimize e amplifique sua presença nas redes sociais e na mídia conservadora internacional.
Para muitos analistas, o desafio que a Alemanha enfrenta não é apenas o de conter a ascensão de uma força radical. É o de reforçar os próprios fundamentos democráticos com respostas eficazes a um mal-estar econômico real, evitar a criminalização do debate público e reafirmar — com firmeza, mas também com argumentos — os valores de uma sociedade plural, aberta e tolerante.