A agricultura europeia enfrenta um momento desafiador, pressionada por mudanças climáticas severas, desigualdades econômicas e transformações no consumo. Em meio a esse cenário, o Diálogo Estratégico sobre o Futuro da Agricultura da UE emerge como uma tentativa ambiciosa de reunir perspectivas diversas e construir um modelo alimentar mais resiliente, justo e sustentável.
O Diálogo Estratégico foi uma resposta ao crescente descontentamento entre agricultores e consumidores com as políticas agroalimentares existentes. Pela primeira vez em anos, agricultores, acadêmicos, representantes da sociedade civil e líderes da indústria compartilharam a mesma mesa para abordar um problema comum: como garantir que o setor agroalimentar europeu sobreviva às crises econômicas e ambientais.
O resultado não foi apenas uma lista de recomendações, mas um consenso raro sobre as reformas necessárias. Entre as propostas está a criação de um Observatório da Cadeia Agroalimentar, que traria maior transparência às práticas comerciais, além de políticas destinadas a apoiar produtores menores e diversificados – aqueles que enfrentam as pressões mais severas do mercado.
Repensando o papel do consumidor
Se, por um lado, os agricultores são frequentemente vistos como as principais vítimas de um sistema desigual, o Diálogo Estratégico destacou que os consumidores também têm um papel fundamental na transição para uma economia alimentar mais sustentável. Pesquisas recentes mostram que 30% dos espanhóis já consideram alimentos sustentáveis uma prioridade nas políticas europeias, enquanto dois terços dos belgas apoiam medidas mais rigorosas contra o marketing de alimentos ultraprocessados.
Essa demanda crescente deve ser acompanhada por políticas que incentivem escolhas conscientes, como subsídios para produtos sustentáveis, melhoria na rotulagem alimentar e restrições à publicidade de alimentos que prejudicam a saúde pública. Medidas como essas não apenas equilibrariam o mercado, mas criariam um ambiente mais favorável para produtores comprometidos com práticas sustentáveis.
Outro tema central do Diálogo Estratégico foi a resiliência climática. Com eventos extremos, como as enchentes devastadoras em Valência, expondo a vulnerabilidade do setor, ficou claro que as práticas agrícolas tradicionais não são mais suficientes para garantir a segurança alimentar. O redirecionamento de subsídios agrícolas para práticas que priorizem a biodiversidade e a adaptação climática foi um dos pontos mais debatidos, ao lado da criação de um fundo dedicado à transição sustentável.
Talvez um dos desafios mais urgentes seja a renovação geracional. Com um terço dos agricultores europeus acima dos 65 anos, a ausência de políticas que incentivem jovens a ingressar no setor pode comprometer o futuro da produção de alimentos. O aumento do preço das terras em muitas regiões e a consolidação das propriedades em grandes operações industriais são obstáculos que exigem ação imediata.
Entre as soluções propostas está o redirecionamento de fundos da Política Agrícola Comum (PAC) para pequenas propriedades familiares, que desempenham um papel crucial na manutenção da biodiversidade e na resiliência climática. Além disso, iniciativas locais na França e na Bélgica, como a introdução de refeições escolares sustentáveis, já mostraram que é possível integrar os interesses dos agricultores e das comunidades.
Um dos legados mais promissores do Diálogo Estratégico é a recomendação de criar um Conselho Europeu Agroalimentar. Composto por representantes de toda a cadeia produtiva, o conselho poderia garantir que decisões sejam tomadas de forma inclusiva, equilibrando os interesses de pequenos produtores, consumidores e grandes indústrias. Essa estrutura, aliada a métricas de sustentabilidade comuns, ofereceria à Europa uma bússola clara para navegar pelas complexidades do setor.