Consenso fragilizado na UE: acordo para combater a violência contra mulheres é aprovado com divergências

29 de fevereiro de 2024 4 minutos
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Após acaloradas negociações, os representantes dos 27 Estados-membros da União Europeia (UE) e do Parlamento Europeu chegaram a um acordo sobre a primeira lei da UE para combater a violência contra as mulheres. Contudo, a definição de violação permaneceu como um ponto de divergência crucial.

O projeto original da lei, apresentado pela Comissão Europeia em março de 2022, definia o crime de violação como sexo sem consentimento, sem a necessidade de as vítimas apresentarem provas de força, ameaças ou coerção. Essa abordagem, baseada no conceito de “só sim significa sim”, ganhou destaque devido ao alarmante número de crimes sexuais contra mulheres e meninas.

No entanto, após meses de intensas negociações, 14 Estados-membros continuaram a bloquear a definição baseada no consentimento. Entre eles estão países como Bulgária, Hungria, Chéquia, França, Alemanha e Países Baixos, considerados progressistas dentro do bloco.

A deputada irlandesa Frances Fitzgerald, uma das principais negociadoras do Parlamento Europeu, expressou sua decepção com o resultado, ressaltando a necessidade de proteger as mulheres da violência. Segundo estimativas da Agência dos Direitos Fundamentais da UE, cerca de 5% das mulheres na UE foram vítimas de violação após completarem 15 anos. “É perturbador para muitos de nós quue não se tenha conseguido incluir nesta diretiva uma definição de violação baseada no consentimento. É uma grande desilusão, tendo em conta a dimensão das estatísticas de violência na União Europeia”.

Embora 11 países tenham aceitado a definição baseada no consentimento durante as negociações, uma cláusula de revisão foi incluída de última hora, juntamente com medidas para aumentar a conscientização sobre consentimento sexual e promover uma cultura baseada no consentimento.

No entanto, muitos consideram que essas medidas não atingem a ambição original da Comissão Europeia de criminalizar o sexo não consentido em todo o bloco. O projeto final da lei também criminaliza outras formas de violência contra as mulheres, como casamento forçado e mutilação genital feminina, além de abordar lacunas jurídicas relacionadas à ciberviolência, incluindo assédio e perseguição online.

A análise sobre a definição de estupro na UE revelou três abordagens diferentes:

  • o princípio do “apenas o sim significa sim”, aplicado em 14 países;
  • o princípio do “não significa não”, adotado na Alemanha e na Áustria
  • a exigência de resistência ou situação ameaçadora para caracterizar o estupro, presente em 11 países, incluindo a França e a Itália.

No Brasil, o crime de estupro é definido como o ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso. Um projeto de lei apresentado em fevereiro do ano passado pelo deputado federal Eduardo Bismarck (PDT-CE) propõe modificar o Código Penal para deixar claro que ato sexual sem consentimento livremente expresso é estupro, o que aproximaria a norma brasileira do princípio “apenas o sim significa sim”. O texto está sob análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara.

A resistência à adoção do princípio “apenas o sim significa sim” pela UE gerou críticas de mulheres e ativistas dos direitos das mulheres em toda a Europa, destacando a necessidade de proteger as mulheres contra uma das formas mais hediondas de violência. Apesar do acordo alcançado, o texto final ainda aguarda a adoção formal pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu, com os países do bloco tendo três anos para transpor as regras para suas legislações nacionais.

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