
A persistente crise logística nos principais portos da Europa está se tornando um novo ponto de tensão para o comércio global. Impulsionado por uma combinação de fatores geopolíticos, mudanças nas rotas marítimas e gargalos estruturais, o encarecimento do transporte marítimo ameaça prolongar os impactos inflacionários e comprometer cadeias de suprimento estratégicas para a indústria europeia e global.
Portos como Rotterdam, Hamburgo e Antuérpia estão enfrentando um fluxo anormal de navios, sobrecarregando seus terminais e gerando filas de atracação que se estendem por dias. O desvio de rotas do Mar Vermelho — adotado por grandes armadores após ataques de grupos houthis a navios comerciais — forçou embarcações a contornar o Cabo da Boa Esperança, aumentando o tempo de viagem e, consequentemente, o volume de operações em portos europeus já operando próximo do limite.
Além disso, as dificuldades logísticas não se limitam ao mar: níveis baixos do Rio Reno — uma das principais artérias de transporte fluvial da região — estão dificultando o escoamento de cargas para o interior da Europa, afetando setores como o automotivo e o químico, que dependem fortemente do transporte multimodal.
As taxas de frete voltaram a subir de forma significativa. De acordo com dados do mercado, o custo médio de um contêiner de 40 pés partindo da Ásia para o Norte da Europa ultrapassou os US$ 2.450, com aumentos semanais na casa dos 3%. Algumas transportadoras anunciaram reajustes superiores a 20% desde março. Trata-se de uma elevação que remete aos picos observados durante a pandemia, com impacto direto sobre a inflação e o custo de vida na Europa.
Para muitas empresas, os custos logísticos voltaram a representar uma fatia relevante do orçamento — um movimento que pode comprometer margens e forçar repasses aos consumidores.
Geopolítica no centro da crise
O cenário de instabilidade no Mar Vermelho, impulsionado pelos conflitos no Iêmen e pelas tensões entre Irã e potências ocidentais, é um dos fatores centrais da crise atual. As grandes companhias de navegação, como Maersk e Hapag-Lloyd, mantêm a decisão de evitar a rota mais curta do Canal de Suez por questões de segurança, mesmo após promessas de cessar-ataques por parte dos houthis.
Em paralelo, o recrudescimento das disputas comerciais entre Estados Unidos e China vem provocando redirecionamentos logísticos que também afetam o fluxo de cargas na Europa. Tarifas elevadas e sanções cruzadas obrigam empresas a redesenhar suas rotas, sobrecarregando alternativas antes secundárias.
O impacto sobre a economia europeia vai além da logística. O aumento nos custos de importação e os riscos de escassez de insumos colocam em xeque os planos de corte de juros por parte do Banco Central Europeu (BCE) e do Banco da Inglaterra. Em um momento em que a inflação dá sinais de desaceleração, pressões vindas da cadeia de suprimentos podem reacender incertezas monetárias.
A indústria de transformação, em especial os segmentos que operam sob regime just-in-time, como o automotivo e o de tecnologia, já sente os efeitos. Relatos de atrasos e estoques baixos se multiplicam, exigindo ajustes táticos de curto prazo e reavaliações estratégicas de médio prazo.
Analistas apontam que a normalização completa da logística marítima na Europa pode demorar até o terceiro trimestre, dependendo de fatores imprevisíveis como a evolução dos conflitos geopolíticos, a retomada (ou não) das rotas pelo Canal de Suez e as condições climáticas que afetam hidrovias europeias.
Empresas mais preparadas têm buscado mitigar riscos por meio da diversificação de fornecedores, regionalização da produção e investimentos em tecnologias preditivas de logística. Mas, para boa parte da economia, a resiliência ainda esbarra em limitações de estrutura e orçamento.
O que está em jogo não é apenas a eficiência da cadeia de suprimentos, mas a própria capacidade da Europa de manter competitividade global num cenário de crescente instabilidade. E, como ficou claro nos últimos anos, gargalos logísticos são muito mais do que um problema técnico — são peças centrais do novo xadrez geoeconômico global.