Já faz décadas que a montadora sueca Volvo é reconhecida por suas políticas sociais e ambiental e por suas diretrizes de boa governança corporativa. Muito dessa reputação em sustentabilidade deve-se aos passos dados sob a liderança do CEO Pehr Gyllenhammar, que comandou a empresa entre 1971 e 1994.
Em artigo recente para a CNN, Gyllenhammar explica por que a companhia sueca – que no mês passado anunciou que investirá R$ 1 bilhão no Brasil até 2023 em desenvolvimento de produtos e serviços – decidiu abraçar políticas de impacto social; ele também relata como essa transformação ocorreu sem afetar os lucros da empresa. O executivo reforça ainda a mensagem de que outros líderes empresariais podem seguir o mesmo caminho. Esse caminho pode ser trilhado, diz ele, sem representar prejuízos às corporações.
A seguir, o artigo:
Eu mudei a consciência social na Volvo sem afetar os lucros. Outros CEOs podem fazer o mesmo
Desde que o Business Roundtable divulgou no último verão uma declaração sobre quais devem ser os objetivos de uma corporação, esse passou a ser um assunto popular nas rodas de conversa. Tema central na conferência de Davos deste ano, essa abordagem recomenda a mudança para um modelo de negócios do chamado “capitalismo de stakeholders“.
O capitalismo das partes envolvidas (stakeholders) é um afastamento significativo do modelo dominante nos negócios, no qual o principal objetivo é enriquecer os acionistas e maximizar os lucros. Em vez disso, (o capitalismo de stakeholders) dedica-se a gerar ganhos para a vida de todas as pessoas afetadas pela empresa. Isso inclui clientes, funcionários, fornecedores, comunidades e acionistas.
Vários CEOs influentes prometeram mudar o objetivo de sua empresa para esse modelo de capitalismo. Mas, para provar que estão realmente comprometidos com a mudança – e não apenas colocando sua assinatura em uma declaração de objetivos nobres -, eles precisar ser responsabilizados por suas ações. E os acionistas precisam estar juntos no processo para mantê-los sob controle.
Mudança de cultura dos acionistas
Obviamente, o desafio está em convencer os acionistas a reequilibrar as coisas em um campo de jogo que historicamente priorizou seus próprios lucros. Uma cultura corporativa de maximizar o retorno para os acionistas está bastante arraigada nas empresas de todo o mundo, e indústrias inchadas deram origem a expectativas exageradas dos acionistas.
Em uma época em que a América corporativa está indiscutivelmente mais inchada e egoísta do que nunca, a adoção da governança das partes interessadas é imperativa. Os acionistas devem entender e aceitar que essa mudança pode ocorrer sem um indesejável efeito negativo nos lucros.
Eu sei por experiência própria que é possível trazer mudanças socialmente conscientes para uma grande corporação sem sacrificar seus resultados. Quando me tornei CEO da Volvo, em 1971, nós redesenhamos completamente nossas fábricas e linhas de montagem para priorizar a saúde e o bem-estar dos trabalhadores. Eu participei da primeira grande convenção ambiental global – a conferência ambiental da ONU de 1972 – e assumi o compromisso público de tornar a Volvo mais ecologicamente correta. E, com os protestos contra o regime do apartheid, fechei a fábrica da Volvo em Durban, na África do Sul, em 1976. Assim, fui um dos primeiros CEOs a comandar um desinvestimento do gênero.
O poder da comunicação
Essas foram iniciativas ousadas, mas elas nunca foram pensadas tendo o lucro ou o retorno aos acionistas como objetivo final. Minha intenção era desenvolver sistemas de trabalho para aumentar a produtividade e tornar as pessoas mais felizes com a empresa. Era meu trabalho como CEO comunicar isso de maneira eficaz; eu fazia isso conversando com as pessoas, fossem elas trabalhadores, acionistas ou consumidores. Fui claro e direto ao comunicar minha intenção de buscar programas e políticas adequadas para o futuro, para as pessoas e para a Volvo, e a ampla base de acionistas aceitou isso. E, com o tempo, ficou claro que minhas ações como CEO sempre se alinhavam às minhas intenções declaradas publicamente. Isso gerou confiança e me permitiu continuar inovando as políticas, mantendo a empresa lucrativa.
Para garantir que mudanças reais ocorram, os acionistas precisam responsabilizar os líderes empresariais por violarem a confiança do público quando não alinharem a governança corporativa com suas metas e intenções declaradas publicamente. Como na governança política, é necessário ter um sistema substantivo de freios e contrapesos que impeça a consolidação do poder no círculo interno da elite.
A criação desses freios e contrapesos requer afastar-se da liderança individual. Os Estados Unidos são um dos poucos países em que muitos chefes corporativos também atuam como presidente do conselho. Os cargos de CEO e presidente foram concebidos como trabalhos separados, para que um pudesse servir de contrapeso ao outro. Uma das primeiras mudanças que os acionistas devem fazer para melhorar a governança é separar os papéis de CEO e presidente do conselho de empresas em que essas posições são ocupadas por um único indivíduo.
Políticas ambientais, sociais e de governança juntas
Os acionistas também devem examinar regularmente os programas de remuneração da empresa e comprometer-se com melhores condições, treinamento e relações de trabalho para os funcionários. E eles devem estar dispostos a rejeitar qualquer prática comercial desnecessariamente prejudicial, seja para indivíduos ou para o meio ambiente. Tudo isso exigirá colocar iniciativas ousadas na votação dos acionistas e votar em apoio a elas.
Uma via que pode ajudar a manter as empresas responsáveis é usar o modelo de investimento ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês). Os investidores que priorizam políticas ESG não colocarão seu dinheiro em uma empresa com um histórico ruim na redução de emissões de carbono, que não demonstrem diversidade nas contratações ou não combatam a enorme diferença de renda entre funcionários e CEOs, para citar apenas alguns itens. O modelo ESG opera em uma equação que os acionistas corporativos podem entender – uma que tem relação direta com a lucratividade. Uma boa classificação ESG torna a empresa mais atraente para os investidores e aumenta o preço das ações.
Pressão sobre líderes empresariais
O movimento ESG está crescendo nos Estados Unidos e está pressionando cada vez mais as equipes de gestão a adotarem o conceito de capitalismo dos stakeholders. Em 2018, Larry Fink, CEO da BlackRock – uma das maiores gestoras de investimentos do mundo -, declarou publicamente sua crença de que o ESG será um componente importante na maneira como todos encaram os investimentos. E, em sua última carta anual, Fink declarou que a mudança climática é uma questão urgente para os investidores. Segundo ele, a BlackRock reduzirá os investimentos em organizações com baixo compromisso com a sustentabilidade, incluindo o carvão usado em usinas térmicas.
Sobreviver e prosperar nos negócios requer a capacidade de se adaptar a um ambiente em mudança. O repensar dos objetivos corporativos do Business Roundtable é um sinal disso. O importante não é saber quantos dos CEOs que o apoiam estão fazendo isso para fins políticos ou de relações públicas, ou quais razões levaram uma gigante de investimentos como a BlackRock a abandonar investimentos danosos ao clima. O importante é reconhecer a tendência que está em curso, que pressiona os líderes de negócios a alinhar suas ações com a ética declarada.
A verdade é que essa mudança de paradigma em direção a uma cultura sustentável baseada em valor não requer altruísmo, apenas pragmatismo. Não importa como cada um desses cavalos corporativos será levado à água: importa apenas que eles bebam.