"Carne" de ar? Como uma startup finlandesa está transformando CO2 em alimento

A Solar Foods criou a Solein, uma proteína em pó produzida a partir do dióxido de carbono - e que é muito mais benéfica para o planeta que qualquer alternativa animal ou vegetal; suas vendas devem começar em dois anos

13 de julho de 2019 6 minutos
Europeanway

Já há startups que usam novas tecnologias para retirar o dióxido de carbono do ar para produzir energia e, em um caso, dinamarquês, convidando os consumidores a pagar para armazenar esse CO2 no subsolo como forma de combater as mudanças climáticas. Mas, agora, ele também pode ser um ingrediente para a nossa comida.

A Solar Foods, uma empresa sediada na Finlândia, desenvolveu um processo para usar eletricidade renovável e CO2 para produzir um ingrediente saudável que se parece com farinha de trigo e contém 50% de proteína. A empresa está reunindo dados para solicitar uma licença de alimentos da União Europeia no fim deste ano. O plano é dar início à produção comercial em 2021.

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“Começamos a pensar sobre quais são as pré-condições que você poderia ter para estabelecer os alimentos mais ecologicamente corretos”, disse à Fast Company o CEO e um dos fundadores da startup, Pasi Vainikka, que já trabalhou como pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisa da Finlândia. Ao usar materiais básicos como eletricidade e CO2, os pesquisadores perceberam que seria possível fazer alimentos que pudessem evitar a enorme pegada ambiental da agricultura, que vai do uso de terra e água às emissões de poluentes na atmosfera causadas pelos fertilizantes ou a criação de animais.

Alimentos produzidos a partir de fermentação, como cerveja ou carne cultivada em laboratório, atualmente dependem de açúcares obtidos de plantas ou microorganismos. O novo processo substitui esses açúcares por carbono. "Como não usamos açúcares ou matérias-primas agrícolas similares, podemos nos desconectar completamente da agricultura", diz Vainikka.

O processo usa energia solar para dividir a água por meio de eletrólise em um biorreator. Esse processo cria libera o hidrogênio que pode fornecer energia aos microorganismos, já que eles também se alimentam de carbono. Os micróbios produzem um alimento composto por cerca de 20% a 25% de carboidratos, 5% a 10% de gordura e 50% de proteína.

Essa é uma maneira muito mais eficiente de produzir proteína do que criar gado. A produção de um único hambúrguer, segundo uma estimativa, requer 6 metros quadrados de terra, principalmente para a alimentação do gado. A pecuária e o cultivo dos grãos necessários para alimentar esses animais são as principais causas do desmatamento em lugares como a Amazônia. Outro estudo estima que a produção de um hambúrguer consome até 2,5 mil litros de água.

A carne também é uma importante fonte de emissões de CO2. A nova proteína em pó, batizada de Solein, afirma ser 100 vezes mais favorável ao clima do que qualquer alternativa animal ou vegetal. Ela pode produzir dez vezes mais proteína comestível por hectare do que uma lavoura de soja, segundo a empresa.

Quando a Solein começar a aparecer nas gôndolas – em até dois anos, se tudo correr conforme o planejado -, ela não estará em sua forma de pó, mas, possivelmente, como um ingrediente em produtos como shakes de proteína ou iogurte à base de vegetais. Isso é em parte porque, assim, ela provavelmente será mais palatável para os consumidores: os sacos de farinha à base de CO2 podem não ter tanta aceitação.

Para as empresas de carnes de origem vegetal, como a Impossible Foods, que se concentram no meio ambiente, essa pode ser uma maneira de reduzir ainda mais suas pegadas ambientais. "Sabemos que empresas como Beyond Meat e Impossible Foods produzem proteína a partir de ervilha ou soja", diz Vainikka. "Se elas ganharem muita escala, precisarão de muito mais proteína." No futuro, o ingrediente poderia ser usado para imprimir novos alimentos em 3D ou usado como matéria-prima para "carne limpa", cultivada em biorreatores.

Como o processo está totalmente desconectado da agricultura tradicional, a empresa também está trabalhando com a Agência Espacial Europeia como uma fonte potencial de alimentos para os astronautas (esse conceito foi considerado pela NASA em meados do século 20, mas nunca foi levado adiante). A empresa também prevê trabalhar em áreas que não conseguiram apoiar a agricultura no passado, como os desertos ou o Ártico. E a ideia pode gerar novos modelos de negócios no futuro: se você vender a energia solar produzida por painéis instalados em seu telhado, por exemplo, poderá receber comida em troca.

Ainda não está claro até que ponto o produto poderá substituir a agricultura tradicional – afinal, para atender às necessidades nutricionais, as pessoas ainda precisarão de outros alimentos, como frutas e legumes. Outra incógnita é a reação dos consumidores. Mas a Solein poderia ser uma alternativa para atender à crescente demanda por proteína no planeta. A Solar Foods planeja começar a pré-engenharia de sua primeira fábrica comercial no final deste ano e ter 50 milhões de refeições vendidas em supermercados dentro de dois anos.

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