Bruxelas intensifica aposta mediterrânica diante da erosão do comércio global

29 de agosto de 2025 4 minutos
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O verdadeiro terremoto causado pelo governo Trump no comércio internacional, em função das tarifas impostas às exportações aos EUA, está levando a movimentações improváveis até poucos meses atrás por países que agora buscam alternativas para compensar as novas barreiras de acesso ao mercado americano. Nesse cenário, o vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, viaja ao México para discutir comércio bilateral e integração produtiva, enquanto o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, desembarca na China com a mesma pauta na agenda.

Na mesma maré de realinhamentos, a União Europeia prepara o lançamento de um Pacto para o Mediterrâneo, um projeto concebido em Bruxelas como resposta direta à crescente volatilidade das relações com Estados Unidos, China e Rússia. O plano, que deverá ser apresentado em outubro, mira a eliminação de barreiras comerciais e a aproximação regulatória de países do Norte da África e do Oriente Médio às regras do mercado único europeu.

De acordo com um documento interno da Comissão Europeia obtido pela Euronews, o pacto abrange Argélia, Egito, Israel, Jordânia, Líbano, Líbia, Marrocos, Palestina, Tunísia e Síria, além de consultas com Turquia e países do Golfo. O desenho é claro: transformar a bacia mediterrânica em um espaço de interdependência estruturada, capaz de oferecer à Europa rotas comerciais alternativas e cadeias de suprimento mais seguras.

A iniciativa tem raízes históricas. Em 1995, a Declaração de Barcelona prometia uma Área de Comércio Livre Euro-Mediterrânica que nunca foi concretizada. Mais tarde, a Convenção Pan-Euro-Mediterrânica (PEM) estabeleceu preferências tarifárias, mas ficou aquém do potencial. O novo pacto pretende ir além, incorporando elementos como modernização aduaneira, rótulos verdes para exportações e convergência digital inspirada no RGPD.

Ao revisitar projetos inconclusos, a Comissão tenta transformar promessas de cooperação em instrumentos práticos de resiliência estratégica. A diferença em 2025 é o contexto: uma Europa mais vulnerável, que viu sua dependência energética da Rússia se tornar uma armadilha e que enfrenta o risco de tarifas punitivas dos EUA em setores industriais chave, como o automotivo.

Integração regulatória como instrumento de poder

O pacto não se resume a tarifas. O documento visto pela Euronews menciona explicitamente a criação de cadeias de valor conjuntas em energia limpa, transporte e agroindústria, o fortalecimento de pequenas e médias empresas e o incentivo a empresas verdes. O núcleo da proposta é o alinhamento regulatório, uma ferramenta que a UE tem utilizado para projetar poder além de suas fronteiras.

Ao exportar suas regras – de proteção de dados a padrões ambientais – Bruxelas não apenas garante previsibilidade às suas empresas, mas também molda o ambiente econômico dos parceiros. Para países mediterrânicos em busca de investimento e modernização, o custo de convergir com a UE pode ser compensado pelo acesso a um mercado de 450 milhões de consumidores.

No plano estratégico, o Pacto para o Mediterrâneo se encaixa em um esforço mais amplo de diversificação de dependências. Assim como a China tenta consolidar sua influência na Ásia Central e a Índia busca acordos no Indo-Pacífico, a Europa aposta em sua vizinhança imediata como escudo contra a imprevisibilidade transatlântica.

O timing é revelador. Com a política tarifária dos EUA reconfigurando cadeias de suprimento e a China cada vez mais assertiva em seus corredores de influência, a UE busca reposicionar o Mediterrâneo como amortecedor geoeconômico. Ao mesmo tempo, envia um sinal político: não pretende ser refém das escolhas comerciais de potências externas.

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