Na sexta-feira, 18/11/2022, chega ao fim a vigésima sétima Conferência das Partes (COP27), na cidade de Sharm el-Sheikh, no Egito. O evento promovido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima teve início no dia 6 de novembro, e reúne os principais líderes globais no âmbito da governança climática. Dentre eles, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, convidado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pelo presidente do Egito.
O convite veio acompanhado da expectativa de que o novo governo brasileiro promovesse políticas públicas para ampliar a preservação da Amazônia e dos demais biomas brasileiros, além de inserir o país nos esforços globais de adaptação às consequências das mudanças climáticas e por uma economia verde.
Em entrevista exclusiva ao EuropeanWay, diretamente da COP27, a professora da PUC-Rio e assessora da ONG FASE, Maureen Santos, fala sobre o que vem acontecendo de mais recente na agenda ambiental global, avalia o andamento da COP, a importância da vitória de Lula para os esforços brasileiros de combate às mudanças climáticas e aponta caminhos para tornar o Brasil um país mais sustentável. Maureen destaca que a agenda ambiental do Brasil é imensa.
Quais são as suas expectativas sobre a COP27?
Minha expectativa sobre a COP27 é que possa começar a agenda da implementação real do Acordo de Paris e, ao mesmo tempo, se chegar ao chamado objetivo de adaptação, que está atrasado, está sendo postergado desde a COP 21, em 2015. Como é uma COP na África e tem todo um desejo, uma demanda específica para a discussão de adaptação – exatamente pelos efeitos que as mudanças climáticas já estão provocando no continente africano – isso acaba trazendo um peso maior para esse debate. Mas está terminando a primeira semana e o que a gente tem visto até agora é que está bem lento o processo. Os avanços, muito poucos. Poucos anúncios em relação às reuniões do chamado segmento de alto nível (com os chefes de Estado) que aconteceram essa semana, então vamos ver. Ainda tem o sábado (12), e mais uma semana ainda, mas essa COP começou bastante devagar.
Você acredita que a crise energética na Europa pode acelerar projetos de transição energética e levar os europeus a conquistar uma independência maior de combustíveis fósseis?
A Europa já tem saído na frente do ponto de vista de projetos e planos para o bloco, como por exemplo, o Green New Deal. Em relação a essa questão da transição energética, mas efetivamente à crise, por conta do conflito Ucrânia e Rússia, o que a gente percebe é que, na verdade, ele não está acelerando os projetos de transição energética. Ao contrário, ele vem flexibilizando a própria concepção do que é uma energia alternativa, como por exemplo, a regulação que saiu do parlamento europeu que considera o gás natural e a energia nuclear como parte do pacote de energia renovável. Isso é uma flexibilização do conceito para poder utilizar mais essas energias, então isso para gente é um profundo retrocesso. Frente à crise energética, eles [os países europeus] vão ter que começar a importar mais gás, mais biomassa ou outro tipo de minerais para a produção de energia e, com isso, o próprio urânio, para energia nuclear, e com isso, você, na verdade, vai gerar problemas nos países que exportam. Porque de onde vem esses minérios, né? Vem dos países do Sul Global. Então eu vejo um retrocesso nessa independência maior de combustíveis fósseis, com essa flexibilidade. Ao mesmo tempo, mantém-se um modelo de produção também ainda baseado em fóssil nos países do Sul, para gerar esse tipo de energia que tem sido demandada pela Europa.
O que você pensa sobre a ida de Lula à COP27? Isso já demonstra que o Brasil voltou a jogar no time das nações que se preocupam com o meio ambiente?
Ah, com certeza, né? Com certeza, porque o Brasil nos últimos 4 anos, nunca deu muita importância para COP. Inclusive, o Brasil seria a sede da COP25 e eles [o governo brasileiro] cancelaram. Isso aponta que nos quatro anos do governo Bolsonaro o Brasil não colocou peso nessa agenda, muito pelo contrário. O governo Bolsonaro tinha a ala negacionista. Então, só do Lula chegar e já anunciar que vai para a COP, já fazer falas fortes de combate ao desmatamento, ao garimpo, colocar a agenda do clima de volta para pauta, entre outras ações, já demonstra que sim, que vai ter uma virada de posicionamento brasileiro frente ao governo Bolsonaro.
Na sua opinião, quais são os desafios do Brasil na agenda ambiental e como o melhor relacionamento com a Europa pode ajudar o país a conter os avanços do agronegócio e do garimpo sobre a floresta Amazônica?
O Brasil está com uma agenda imensa na questão ambiental. Primeiro, os retrocessos em matéria de política e legislação socioambiental dos últimos quatro anos. E segundo, a retomada do Fundo Amazônia e outras formas de financiamento inovadoras que o Brasil tem e que foram paralisadas durante o governo Bolsonaro. E terceiro, agora esse debate da regulação da União Europeia sobre produtos livres de commodities, que a gente vê com uma coisa positiva. Mas ao mesmo tempo, você tem um acordo União Europeia-Mercosul, que, com suas previsões de aumento da compara de commodities, vai gerar grande implicação para a expansão de soja, de monocultivos, de mineração. Enfim, então tem que ter uma consistência maior nesses anúncios e na correlação com os próprios processos que estão em curso, né? Porque por um lado a gente tem a Floresta amazônica, que é uma preocupação do mundo e a União Europeia sempre está muito conectada, mas, ao mesmo tempo, a gente tem o Cerrado que vem sendo destruído com um desmatamento ainda maior do que a Amazônia anualmente, que vai ser o grande impactado pelo acordo União Europeia-Mercosul e que ficou excluído desse regulamento. Então uma grande contribuição da União Europeia seria incluir nesse regulamento de produtos livres de desmatamento o Cerrado.
Para além da Amazônia, em que outros aspectos a colaboração europeia pode ajudar o Brasil na busca por ser um país mais sustentável?
Eu acho que tem que ter mais ênfase no Cerrado brasileiro e no Pantanal. Acho que tem que entender que se você cria regulação em relação ao que é legal e ilegal [exemplo:] “ah não, só vai ser proibido o desmatamento ilegal”; há um problema, [porque] nos últimos anos, o que foi legalizado, antes era ilegal. Então estamos numa situação na qual o sistema nacional está muito impactado. Precisamos de leis mais robustas para que se tenha qualquer tipo de iniciativa em relação a elementos para que essas regulações que a União Europeia acha que pode apoiar, realmente possam funcionar.