O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, após mais de duas décadas de negociações, emerge como um marco para o fortalecimento das relações econômicas entre os dois blocos. Com promessas de benefícios bilaterais, como maior acesso a mercados e impulsionamento de exportações, o setor automotivo brasileiro encontra-se no centro das discussões, entre o otimismo e a cautela.
De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o acordo Mercosul-União Europeia apresenta um potencial de “ganha-ganha” para as indústrias de ambos os blocos. Sobretudo para o Brasil, a expectativa é de que o pacto amplie o acesso a tecnologias avançadas e insumos de maior valor agregado oriundos do mercado europeu. Em contrapartida, as montadoras brasileiras veem a oportunidade de fortalecer suas exportações, especialmente para mercados onde veículos com menor pegada ambiental estão em alta demanda.
Ainda assim, o otimismo não está isento de reservas. O setor automotivo no Brasil, um dos pilares da indústria nacional, foi objeto de proteções específicas durante as negociações. Entre os principais pontos está a criação de um período de transição de 15 anos para a redução de tarifas de importação para veículos e autopeças europeias. Essa cláusula busca proteger as montadoras locais contra uma abertura abrupta, que poderia comprometer sua competitividade em um mercado global dominado por players consolidados.
Do lado europeu, o setor automotivo também enxerga vantagens estratégicas no acordo, especialmente em tempos de transição energética. A União Europeia busca diversificar sua cadeia de fornecimento de insumos e componentes para veículos elétricos e híbridos, áreas em que a América do Sul, rica em minerais críticos como lítio, pode desempenhar um papel crucial. Além disso, o acordo é visto como uma oportunidade para exportar veículos e tecnologias mais alinhados às crescentes demandas por sustentabilidade.
No entanto, as barreiras regulatórias, como diferenças nos padrões ambientais e técnicos entre os blocos, permanecem um desafio. Para que o pacto seja efetivo, será necessário alinhar essas normas, um processo que pode atrasar os impactos práticos do acordo no setor.
Embora o período de transição para a redução tarifária traga alívio à indústria brasileira, especialistas alertam para os riscos de um excesso de protecionismo. Há preocupações de que uma adaptação lenta possa limitar a modernização do setor automotivo local, que já enfrenta desafios relacionados à competitividade, produtividade e alinhamento às tendências globais, como a eletrificação.
Para a União Europeia, o principal obstáculo está no ritmo das reformas internas no Brasil e nos demais membros do Mercosul, bem como na implementação efetiva de compromissos ambientais e de sustentabilidade — pontos sensíveis para países europeus que já demonstraram hesitações em ratificar o acordo.
Apesar das incertezas, o acordo Mercosul-União Europeia apresenta uma janela histórica para o setor automotivo. Ele pode catalisar uma integração mais profunda entre as indústrias dos dois blocos, promovendo inovação e aumentando a competitividade global. No entanto, seu sucesso dependerá de como ambos os lados irão equilibrar os interesses econômicos, as demandas por sustentabilidade e a necessidade de proteger setores estratégicos.