
O anúncio de Donald Trump de impor, a partir de 1º de outubro, uma tarifa de 100% sobre medicamentos de marca e patenteados importados acendeu um alerta em Bruxelas, que teme ver corroído o acordo comercial fechado em julho com os Estados Unidos. O pacto, celebrado como vitória diplomática europeia, previa teto de 15% para os medicamentos, um avanço em relação ao risco de sobretaxas mais severas. A decisão do republicano, porém, lança dúvidas sobre a solidez dos compromissos assumidos e pressiona a União Europeia a buscar “acordos diferentes”, segundo o comissário de Comércio, Maros Sefcovic. A iminência da entrada em vigor adiciona urgência às negociações transatlânticas.
A Comissão Europeia insiste que o setor farmacêutico do bloco está protegido pelo acordo em vigor e que, até agora, Washington tem cumprido sua parte. O porta-voz adjunto da Comissão, Olof Gill, afirmou que a cláusula de 15% é “uma apólice de seguro clara e abrangente” para os exportadores europeus. Autoridades europeias manifestaram confiança de que o acordo de julho continuará valendo para produtos farmacêuticos da UE, isentando-os da tarifa punitiva.
Mas a mensagem de Trump em sua rede Truth Social, condicionando a isenção à construção de fábricas em solo americano, expõe uma tensão latente: o uso da política tarifária como alavanca para forçar relocalização industrial. A medida tem um recorte preciso: aplica-se apenas a medicamentos com marca ou patenteados, deixando de fora os genéricos, o que sugere foco em produtos de maior valor agregado e pressão sobre grandes fabricantes multinacionais.
Segundo o Financial Times, apesar da retórica, a administração americana estaria inclinada a respeitar o limite de 15% para importações farmacêuticas oriundas da União Europeia e do Japão, em linha com os acordos já firmados. Essa concessão é considerada crucial por autoridades europeias, que veem nela um mecanismo capaz de mitigar o impacto de anúncios mais radicais, seja por constrangimentos jurídicos, seja por pressão diplomática.
Pressão setorial e resistência doméstica
Se a tarifa sobre medicamentos preocupa pela incerteza regulatória, outros setores continuam a ser peças de barganha. O aço e o alumínio seguem taxados em 50%, enquanto caminhões pesados, móveis e gabinetes também foram incluídos na nova rodada de tarifas. Ao mesmo tempo, França, Itália e Espanha pressionam Bruxelas para blindar vinhos e bebidas espirituosas, setores de alta sensibilidade política e econômica.
Dentro dos próprios Estados Unidos, a medida encontra resistência. A Pharmaceutical Research and Manufacturers of America, principal associação da indústria farmacêutica americana, manifestou oposição às novas tarifas, lembrando que mais da metade dos medicamentos consumidos no país são importados. A posição expõe o dilema doméstico de Trump: ao tentar forçar a reindustrialização, arrisca elevar custos para consumidores e criar atritos com setores estratégicos da economia americana.
Nos mercados, a reação foi contida. O índice Stoxx 600 – principal índice acionário europeu, que reúne as 600 maiores empresas do continente – subiu cerca de 0,3% após oscilações, com papéis de saúde recuperando perdas iniciais. Esse comportamento sugere que investidores já precificavam riscos tarifários elevados ou acreditam na capacidade da diplomacia europeia de impedir a aplicação plena da tarifa de 100%.
Para além do impacto econômico imediato, o risco é a corrosão da credibilidade de um sistema multilateral já abalado pela guerra comercial com a China e pelas tensões em torno da Organização Mundial do Comércio.
Ao mesmo tempo em que projeta confiança, Bruxelas sabe que a exposição é real. Para países como a Irlanda, fortemente dependente das exportações farmacêuticas para os EUA, a ameaça não é apenas retórica. Em última análise, a disputa escancara o desequilíbrio estrutural do comércio transatlântico: a Europa busca previsibilidade, enquanto os EUA empregam tarifas como arma política e instrumento de pressão industrial.