
Em um país onde o inverno castiga com baixíssimas temperaturas, a última coisa que se imagina é uma taça de espumante borbulhando com frescor local. No entanto, nas encostas verdes de Skåne, no sul da Suécia, vinhedos florescem, e rótulos nórdicos começam a disputar prêmios em competições internacionais. O frio, que parecia um obstáculo intransponível, transformou-se em aliado de uma nova fronteira da viticultura.
Se há vinte anos os vinhos suecos eram considerados “rústicos”, a percepção vem mudando rapidamente. No evento Swedish Wine Tasting, 12 rótulos locais foram comparados a vinhos de países tradicionais como França, Itália e Inglaterra, em uma degustação às cegas com 18 jurados internacionais. O vencedor foi um espumante de 2021 da vinícola Kullabergs Vingård, situada em Skåne.
Esse resultado simboliza a virada de imagem: os vinhos suecos deixam de ser apenas uma curiosidade e passam a disputar espaço real em competições. Não por acaso, o Spritmuseum, em Estocolmo – museu dedicado às bebidas, vizinho ao famoso museu do ABBA – já inclui rótulos suecos em sua carta.
Grande parte da produção sueca se concentra em Skåne, onde os verões mais longos e amenos permitem a maturação das uvas. A estrela desse processo é a Solaris, variedade híbrida criada na Alemanha em 1975, resistente a doenças e capaz de suportar condições extremas. É dela que nascem a maioria dos vinhos brancos e espumantes suecos, conhecidos pelo frescor e acidez equilibrada.
Além da Suécia, a vitivinicultura escandinava se espalha. A Dinamarca já conta com 150 vinícolas comerciais e 125 hectares plantados, enquanto a Suécia possui 47 operadores comerciais em 193 hectares, segundo associações locais. O avanço foi possível apenas após a autorização da União Europeia, no ano 2000, que abriu espaço para a produção em escala comercial no norte.
Uma indústria em formação
Apesar da expansão, a vitivinicultura sueca permanece minúscula em comparação a países tradicionais. A França, por exemplo, cultiva 800 mil hectares de vinhedos, enquanto a Espanha ultrapassa 1 milhão. Mesmo assim, o dinamismo do setor nórdico chama atenção: em menos de duas décadas, a produção saiu do amadorismo para empreendimentos ambiciosos.
Vinícolas como Kullabergs, Arilds Vingård e Thora Vingård já não se limitam ao cultivo. Elas investem em turismo, hospedagem e gastronomia, criando um modelo integrado que atrai visitantes estrangeiros em busca de experiências enogastronômicas no norte da Europa.
Outro marco importante é regulatório. Até recentemente, o consumo de bebidas alcoólicas na Suécia só era possível pela compra em lojas estatais do Systembolaget, herança de uma política de controle rígido. Mas em 2024, uma lei centenária foi revista: microcervejarias e vinícolas passaram a poder vender diretamente ao consumidor em visitas guiadas.
Essa flexibilização, ainda tímida, representa uma transformação significativa. Para pequenos produtores, abre-se a possibilidade de melhorar margens de lucro e fortalecer o enoturismo, um segmento em ascensão.
A Suécia entra, portanto, em um momento paradoxal. De um lado, o aquecimento global desloca para o norte condições de cultivo antes exclusivas de regiões como Bordeaux ou Toscana. De outro, a escala ainda é reduzida, os custos de produção são altos e a mão de obra especializada escassa.
Mas a promessa está no ar! Em competições internacionais, rótulos suecos começam a conquistar medalhas. Em Estocolmo, turistas já encontram vinhos locais lado a lado com franceses e italianos. Mais que uma curiosidade, o vinho sueco tornou-se um indicador de mudança estrutural: mostra como o clima, a ciência e a inovação estão reconfigurando o mapa da vitivinicultura global.