Na pandemia, a Suécia adotou medidas de convívio social menos restritivas que as de grande parte dos países ocidentais. Por um lado, a taxa sueca de letalidade da covid-19 é mais alta que a média europeia – e também que a de seus vizinhos nórdicos. Mas há também outras formas de avaliar os resultados da estratégia. Nesta quarta-feira (22/4), especialistas brasileiros ouviram algumas dessas informações diretamente da maior autoridade científica envolvida na luta contra o coronavírus no país.
“No começo, todos pensávamos que poderíamos conter essa doença, mas, hoje, nosso entendimento na Suécia é que ela veio para ficar”, disse Anders Tegnell, epidemiologista-chefe da Agência Sueca de Saúde Pública. Ele participou nesta quarta de um seminário online (disponível neste link) com a embaixadora sueca no Brasil, Johanna Brismar-Skoog. Cientistas e representantes dos setores público e privado apresentaram alguns aspectos da abordagem brasileira de combate à pandemia no seminário, mediado pelo cônsul-geral da Suécia em São Paulo, Renato Pacheco Neto. O Scandinavian Way acompanhou as discussões.
Hospitais sem sobrecarga e diferenças regionais
Ao público brasileiro, Tegnell revelou, entre outros dados, que, ao longo de toda a crise, 20% dos leitos hospitalares na Suécia têm permanecido desocupados. Esta é uma evidência, segundo ele, de que a abordagem do país tem sido acertada, já que ela atesta que o sistema de saúde não está sobrecarregado.
O epidemiologista-chefe explicou também que há muitas diferenças regionais na disseminação da doença pelo país. Os casos se concentram em Estocolmo e nas áreas próximas da capital. Em outras regiões, a incidência é bem menor. “É por isso que estamos reforçando os alertas para as pessoas não viajarem”, disse ele.
O apelo parece estar surtindo efeito. No feriado de Páscoa, data em que tradicionalmente muitos suecos se deslocam para o interior, o número de pessoas que viajaram representou apenas 10% do registrado nessa data em outros anos.
Finanças em dia para salvar empresas e empregos
Para além dos esforços de saúde pública, a abordagem sueca inclui pacotes de ajuda financeira a empresas e indivíduos. As medidas para ajudar a salvar empregos e companhias somam 300 bilhões de coroas (R$ 160 bilhões), segundo um resumo apresentado pela embaixadora Johanna Brismar-Skoog. “Ainda não sabemos qual será o orçamento total dessas medidas”, disse ela. “Nós trabalhamos com metas móveis, adequando as decisões à necessidade do momento.”
Há ainda as medidas de aumento da oferta de recursos às empresas via banco central, que totalizam 500 bilhões de coroas (R$ 267 bilhões). A embaixadora lembrou um trunfo nada desprezível: as finanças públicas da Suécia estão saudáveis. “Isso foi alcançado com anos de crescimento da economia e taxas de desemprego em declínio”, afirmou. A boa condição das contas públicas dá mais margem de manobra ao governo na crise do coronavírus.
Agência de Saúde Pública no centro dos esforços
Na frente de contenção da doença, a estratégia sueca tem sido contestada porque, segundo seus críticos, precisaria restringir mais o convívio social. Bares e restaurantes, por exemplo, continuam funcionando. Em um universo de 16 mil casos confirmados de covid-19, a Suécia registrou 1,9 mil mortes, ou 12,1 mortos para cada infectado. O número, altíssimo – a média internacional está abaixo de 7 -, tem relação, também, com o fato de as estatísticas suecas incluírem as mortes ocorridas na casa dos doentes. Muitos países registram apenas as mortes de infectados que já estão em hospitais.
A agência em que Tegnell atua é o órgão responsável por coordenar as ações contra a pandemia na Suécia. Como o Scandinavian Way contou em março (relembre aqui), a abordagem sueca tem particularidades que estão ligadas, também, ao modelo de atuação de seus órgãos públicos. O governo define as linhas gerais da atuação das agências públicas, como, por exemplo, seus orçamentos. No entanto, elas têm garantia legal para atuar sem ingerência política. As medidas seguem determinações técnicas – e, na pandemia, Tegnell está no centro desse trabalho.
No seminário brasileiro, o epidemiologista-chefe não fez menção direta às críticas, mas ressaltou o “contexto local” em mais de um momento para explicar as medidas. A responsabilidade individual – e não as restrições coletivas – foi um dos pontos-chave da estratégia. Isso explicaria, por exemplo, como 90% das pessoas deixaram de viajar na Páscoa, mesmo que isso não tenha sido proibido, mas sim recomendado.