Amplamente considerados os países mais exemplares do mundo em temas ambientais, os escandinavos foram, em conjunto, os que mais tomaram medidas concretas, entre elas algumas interrupções imediatas de negócios com fornecedores brasileiros, como resposta aos incêndios registrados na Amazônia desde julho. A constatação aparece em um levantamento realizado pelo portal Scandinavian Way ao longo da última semana.
As reações vieram tanto do setor público quanto do privado. Seus impactos financeiros ainda precisam ser calculados, já que parte das medidas inclui reavaliação de investimentos desses países feitos no Brasil. Isso significa que o auge da crise diplomática surgida com a ambiental pode até passar, mas seus reflexos ainda estão por ser sentidos pelos brasileiros.
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Veja a seguir algumas das respostas concretas dos escandinavos aos incêndios na Amazônia, segundo o levantamento do Scandinavian Way:
1. Nordea e os papéis de dívida brasileiros
A divisão de gestão de ativos do banco Nordea, que tem sede em Helsinque, na Finlândia, e é o maior da região nórdica, decidiu suspender as compras de títulos do governo brasileiro como resposta ao aumento dos incêndios na Amazônia nas últimas semanas. Hoje, a Nordea Asset Management tem em sua carteira cerca de € 100 milhões (ou mais de R$ 450 milhões) em títulos soberanos brasileiros.
Com a chamada quarentena, a equipe de dívida de mercados emergentes da Nordea Asset Management não vai mais comprar papéis brasileiros, apenas vender. “O presidente Jair Bolsonaro deve enfraquecer a proteção ambiental para acomodar atividades extrativistas, expansão do agronegócio e desenvolvimento de projetos de infraestrutura em larga escala. Chegamos à conclusão de que esses riscos se materializaram”, disse a instituição, em comunicado.
2. Storebrand e KLP, os maiores investidores noruegueses
A gestora Storebrand e o fundo de pensão KLP, ambos noruegueses, anunciaram o início dos contatos com as empresas das quais eles têm participações para identificar quais têm relação direta ou indireta com os incêndios na Amazônia. A consequência mais concreta dessa varredura deve ser a retirada desses papéis do portfólio de ambos.
“Se houver evidências de que investimos em empresas que contribuem para o desenvolvimento de novas terras desmatadas ou áreas de desmatamento (…), iremos retirar os investimentos”, disse Jeanett Bergan, chefe da área de investimentos responsáveis do KLP. Somadas, as duas instituições têm US$ 170 bilhões em ativos, o que faz delas os dois maiores investidores da Noruega.
3. Salmão norueguês sem soja brasileira
A criadora de peixes Mowi, maior produtora de salmão do mundo, pode interromper as compras de soja brasileira caso o país não reduza o desmatamento na Amazônia, segundo anúncio feito na última quarta-feira. O grão é utilizado na produção de ração para os peixes. “O tratamento dado à Amazônia é inaceitável. A Mowi terá de considerar a possibilidade de encontrar outros fornecedores de matérias-primas para ração, a não ser que a situação melhore”, disse, em comunicado, a diretora de sustentabilidade da companhia, Catarina Martins.
A empresa, que deve vender cerca de 430 mil toneladas de salmão neste ano, também é uma grande produtora de ração para peixes. “A Mowi compra (soja) de fornecedores certificados, e pode garantir que nossos suprimentos não estão relacionados ao desmatamento ou às violações de direitos humanos”, complementou a executiva. Com isso, a soja brasileira deve ser substituída por insumos produzidos por outros países.
4. O afastamento do poderoso fundo de pensão sueco
O governo sueco decidiu rever os investimentos de seus fundos públicos de pensão no Brasil e na América do Sul como resultado dos incêndios na Amazônia, disse o ministro das Finanças da Suécia, Per Bolund. Os fundos de pensão suecos administram ativos avaliados em R$ 650 bilhões, montante que corresponde a uma vez e meia todo o orçamento anual do país.
“O povo sueco expressou diversas vezes, em várias pesquisas, que deseja que o dinheiro de suas aposentadorias seja usado com responsabilidade. Se mais países seguirem esse exemplo, os recursos serão retirados do que está destruindo nosso planeta para serem investidos em coisas que constroem um planeta sustentável para o futuro”, declarou o ministro na última terça-feira.
5. Equinor, Norsk Hydro e Yara, gigantes norueguesas, ligaram o alerta
A Noruega convocou algumas de suas maiores empresas que têm atividades no Brasil para garantir que elas não contribuam com a destruição do bioma amazônico. O ministro do Meio Ambiente do país, Ola Elvestuen, reuniu-se na última terça-feira com representantes da empresa de óleo e gás Equinor, da fabricante de fertilizantes Yara e da produtora de alumínio Norsk Hydro para tratar do tema. As três empresas são controladas pelo governo norueguês.
A Norsk Hydro é dona de uma fábrica no Pará e, em fevereiro de 2018, uma barragem dela com rejeitos de bauxita contaminou a região da cidade de Barcarena. A Equinor é uma das maiores produtoras de petróleo em território brasileiro, e o país deverá ser a maior fonte de óleo fora da Noruega da empresa. Por sua vez, a Yara produz fertilizantes e fornece produtos químicos aos agricultores brasileiros. “Elas (empresas) precisam estar conscientes de sua cadeia de fornecedores e garantir que não contribuem para o desmatamento”, disse Elvestuen.
6. Finlândia lidera ação contra a carne brasileira na UE
Na última sexta-feira (23/8), a Finlândia revelou a decisão de defender na União Europeia a interrupção das compras de carne brasileira por causa da devastação causada pelos incêndios na Amazônia. O movimento dos finlandeses tem peso decisivo neste momento: desde o dia 1º de julho, o país ocupa a presidência rotativa do bloco – que é, por sua vez, um dos maiores importadores da carne produzida no Brasil.
“O ministro de Finanças Mika Lintila condena a destruição da floresta amazônica e sugere que a UE e a Finlândia devam urgentemente rever a possibilidade de banir as importações de carne bovina brasileira”, afirmou o Ministério das Finanças da Finlândia, em comunicado.
7. Fim da importação de soja na Finlândia
Em meio à crise dos incêndios na Amazônia, o ministro da Agricultura e Florestas finlandês, Jari Leppä, anunciou na última terça-feira a decisão do país de simplesmente deixar de importar soja nos próximos cinco anos. Embora a medida não tenha sido diretamente creditada às queimadas na região amazônica, Leppä escreveu em seu blog pessoal que entre os problemas da soja brasileira estão falhas na rastreabilidade (certificação que atesta que o produto não foi cultivado em área de desmatamento) e o fato de ela não contribuir para a meta da Finlândia de neutralizar suas emissões de carbono até 2035.
Brasil e Estados Unidos são os dois principais fornecedores de soja para a Finlândia, onde o produto é usado principalmente em sua versão em farelo, para alimentação animal. O ministro acredita que, no caso da produção de ração, o farelo de soja importado pode ser completamente substituído pela produção nacional de fava, caso a área de plantio passe dos atuais 22 mil para 80 mil hectares. Leppä diz ainda que a indústria de nutrição animal finlandesa também desenvolveu nos últimos anos alternativas feitas à base de aveia, ervilha e colza. O fim das importações de soja virá acompanhado de um trabalho para desestimular o consumo humano do óleo feito a partir do grão.
8. O congelamento (e virtual morte) do Fundo Amazônia
Anunciada no último dia 15, a decisão do governo norueguês de bloquear um repasse de mais de R$ 130 milhões ao Fundo Amazônia não foi creditada aos incêndios na floresta, mas é claro que a medida faz parte desse mesmo contexto. A Noruega congelou a doação como desdobramento de um impasse iniciado em maio, quando o governo brasileiro passou questionar a gestão do fundo, a afirmar que ele tinha irregularidades (ainda que a “denúncia” tenha sido feita sem provas) e até a duvidar das motivações dos noruegueses para apoiar projetos de preservação da floresta.
O Fundo Amazônia é (ou costumava ser) o maior projeto de cooperação internacional para preservar a floresta amazônica. Quando o bloqueio do repasse foi anunciado, o chamado “dia do fogo“, em 10 de agosto, que marcou o início das maiores queimadas, já havia ocorrido. Poucos dias depois de esnobar o repasse de recursos dos noruegueses, o governo brasileiro disse que um de seus problemas no combate ao desmatamento era justamente a falta de dinheiro.