Ruídos na comunicação ofuscam avanços no acordo entre Mercosul e União Europeia

Alessandro Janoni é diretor de pesquisas e tendências na Imagem Corporativa 28 de julho de 2023 5 minutos
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Índice que mede imagem do tratado em plataformas digitais está abaixo do verificado em 2019, quando o documento foi assinado

A última reunião de Cúpula entre a Comunidade de Estados LatinoAmericanos e Caribenhos (Celac) e a União Europeia, que aconteceu em Bruxelas, agora em julho, melhorou a percepção de parte da opinião pública brasileira sobre o futuro do acordo de livre comércio entre os países do Mercosul e a União Europeia, mas a imagem do tratado ainda está longe de seu melhor momento.

Os ruídos de comunicação observados nos últimos meses por conta principalmente de uma side letter acrescentada pelos europeus ao documento original, com garantias ambientais e trabalhistas, tiveram repercussão negativa no tratamento do assunto em veículos de comunicação e mídias sociais, ao contrário do que aconteceu na divulgação da assinatura do acordo em 2019.

É o que revela estudo da Imagem Corporativa com base na análise de mais de 56 mil menções ao tema na internet nos sete primeiros meses tanto daquele ano, como agora em 2023. O Brand Connection Index, que mede saúde de marcas na rede, mostra que houve uma evolução de 20 pontos no saldo de imagem do acordo entre junho e julho deste ano (de 75,8 para 95,7). No entanto, o escore é inferior em até 70 pontos ao patamar verificado entre maio e junho de 2019 (166,2 e 164,2, respectivamente).

O índice varia de 0 (extremo negativo) a 200 pontos (extremo positivo) – se abaixo de 100, a imagem é negativa, acima desse patamar, ela é positiva. O cálculo segue a metodologia dos índices de confiança do consumidor e reflete o saldo entre percepções positivas e negativas sobre marcas ou temas.

Em 2019, o ex-presidente Jair Bolsonaro, em estratégia de comunicação, trabalhou a conclusão das negociações entre os dois blocos como um feito histórico e marca de sua política externa no início de mandato, mesmo tendo criticado o Mercosul em diversas oportunidades, priorizado relações bilaterais com o governo Trump e não ocupando a presidência pro-tempore do bloco na assinatura do tratado – a tarefa coube ao então presidente da Argentina, Mauricio Macri que ainda estava no cargo em 28 de junho daquele ano.

Credita-se à visita de Macri ao Brasil depois da posse de Bolsonaro, o índice mais positivo já obtido pelo acordo (171 pontos), com menções especialmente em plataformas de conteúdo (77%). No entanto, com o tratado firmado em junho, uma ação coordenada do ex-presidente em mídias sociais fez as citações ao tema saltarem de 660 em maio para mais de 16 mil registros no mês seguinte e 18 mil em julho, mantendo patamar equivalente de imagem positiva, mesmo com maior participação das redes (54%).

Isso tudo com a Amazônia e o Cerrado em chamas. Entre janeiro e agosto de 2019, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou aumento de 82% nos focos de incêndio nesses biomas em comparação com igual período de 2018, com predominância em cidades onde o desmatamento também cresceu. A questão ambiental foi utilizada principalmente pelos governos da França e Irlanda para travar a ratificação do acordo a partir de então.

Em seguida, a pandemia, a guerra na Ucrânia e a eleição de Lula no Brasil, trouxeram reflexos profundos sobre os cenários sociais, econômicos e políticos dos dois blocos, o que em tese, potencializa os interesses das partes em destravar e acelerar o processo. A imagem do tratado até começa bem em 2023 (132,6 pontos), com menções positivas feitas especialmente durante viagem de Lula ao Uruguai e visita do chanceler da Alemanha, Olaf Sholz, a Brasília, no final de janeiro.

O índice mantém-se em patamar equivalente até março. Em abril, menções ao acordo passam a ser associados a declarações polêmicas de Lula sobre a guerra da Ucrânia e à visita do petista a países europeus como Portugal e Espanha – o escore fica em 109,5. A tendência de queda continua em maio quando a Câmara dos Deputados brasileira propõe redistribuição de atribuições dos ministérios do meio ambiente e dos povos indígenas do país– a percepção sobre a viabilidade do acordo passa então a ser negativa (97,8 pontos).

O pior momento foi em junho, quando em visita da presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen a Brasília, e especialmente na viagem de Lula a França, o presidente brasileiro criticou duramente a carta adicional que prevê sanções aos países do Mercosul que não alcançarem, entre outras, metas ambientais impostas pelos europeus. O índice de imagem do tratado caiu ao menor patamar (75,8 pontos), com a predominância das menções em portais de conteúdo (73%).

Mesmo que marcadores protecionistas estejam por trás das novas exigências europeias, o atual presidente do Brasil, ao subir o tom nas declarações, vestiu uma carapuça que não é sua, mas sim de seu antecessor – dados preliminares do Inpe, por exemplo, revelam queda de 34% nos alertas de desmatamento na Amazônia no primeiro semestre deste ano em comparação com igual período de 2022.

Já em julho, acenos para a revisão da side letter por parte dos europeus durante o evento com a Celac fez a repercussão do tratado tornar-se um pouco mais positiva, no entanto ainda abaixo dos 100 pontos (95,7).

O levantamento da Imagem Corporativa mostra que apesar da ratificação do acordo estar mais próxima do que algum dia já esteve, talvez não seja essa a percepção que predomina na opinião pública. É o que acontece quando se emite mais ruídos do que sinais.

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