Reino Unido transforma receita das apostas em política social

26 de setembro de 2025 4 minutos
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No país que inventou as modernas casas de apostas, a roleta agora gira também a favor da saúde pública. Desde setembro, o Reino Unido passou a cobrar das empresas de jogos uma taxa obrigatória para financiar pesquisa, educação e tratamento de problemas ligados à ludopatia. A decisão não apenas altera a lógica de contribuição voluntária que vigorava até então como insere o setor de apostas no centro de um debate maior sobre tributação, saúde e justiça social.

O regulamento em vigor desde abril obriga operadores de jogos a destinar entre 0,1% e 1,1% da receita para o fundo de tratamento. As primeiras faturas foram emitidas em setembro e devem ser pagas até 1º de outubro. A Comissão de Jogos de Azar (UKGC) deixou claro que quem não pagar pode perder a licença no país.

O cálculo varia conforme o tipo de operação. Empresas on-line e desenvolvedores de software pagam sobre a receita total, enquanto operadores físicos têm a cobrança definida pelas instalações que oferecem. Loterias, por ora, estão isentas. A expectativa é arrecadar cerca de £ 100 milhões anuais com distribuição já carimbada: 50% ao Serviço Nacional de Saúde (NHS) e equivalentes regionais, 30% a campanhas e capacitação profissional e 20% à UK Research and Innovation (UKRI) para estudos sobre jogos de azar.

O setor reagiu com reservas. Representantes argumentam que a nova carga pode estimular o mercado ilegal atraente por oferecer prêmios maiores. Também questionam o fim do sistema voluntário que permitia maior flexibilidade.

Do outro lado, críticos apontam que a estrutura de distribuição ainda deixa espaço para a influência da própria indústria. A British Medical Journal alertou para riscos de captura institucional sobretudo porque empresas foram incentivadas a pleitear cargos de liderança em órgãos financiados pela UKRI.

A medida também ganhou contornos políticos. Gordon Brown ex-primeiro-ministro britânico escreveu recentemente em jornal nacional que a indústria de jogos deve ser tratada como uma máquina de fazer dinheiro capaz de financiar políticas públicas transformadoras. Defendeu vincular a arrecadação ao combate à pobreza infantil problema crônico no país. A proposta dialoga com a prática britânica de hipoteca fiscal que atrela receitas a finalidades específicas e ressoa em outros países que buscam expandir a base tributária sem elevar impostos já existentes.

O paralelo brasileiro

O Brasil segue caminho parecido. Em junho o governo federal elevou a tributação sobre as bets de 12% para 18% sobre a receita bruta de jogos destinando parte à seguridade social sobretudo saúde. A cobrança começa em outubro após a noventena.

A Secretaria de Prêmios e Apostas promete intensificar o combate a sites ilegais mas o setor argumenta que o aumento pode favorecer justamente esses operadores. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável em parceria com a LCA Consultores e o Instituto Locomotiva estima que entre 41% e 51% do mercado brasileiro já é controlado por casas ilegais.

Enquanto isso avança no Senado o PL 2234 que legaliza cassinos e máquinas. Se aprovado ampliaria a arrecadação em um setor ainda não explorado formalmente criando uma agência reguladora própria. Críticos lembram das sequelas sociais mas a comparação internacional relativiza o argumento. Espanha França e Estados Unidos líderes globais em turismo combinam hotelaria shows e jogos como parte do mesmo pacote de atração. Só as Ilhas Baleares na Espanha receberam 22 milhões de turistas em 2023. O México hospedou 45 milhões. O Brasil apenas 7 milhões.

A experiência britânica mostra que o dilema não é mais sobre legalizar ou não as apostas. Essa realidade já está dada. A questão é como canalizar os recursos de um setor altamente lucrativo para mitigar seus próprios efeitos nocivos e se possível financiar políticas de interesse público.

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