
Bruxelas deposita suas fichas na conclusão de um acordo que permitirá ao Reino Unido participar do principal programa de defesa da União Europeia nas próximas duas semanas, um prazo que se encerra justamente quando os 27 países-membros devem apresentar seus planos nacionais de rearmamento previstos no SAFE, o ambicioso programa de empréstimos de 150 bilhões de euros que marca a maior mobilização de recursos para defesa na história do bloco.
A questão vai além do simbolismo de reconciliação pós-Brexit. O Reino Unido é um dos maiores exportadores de produtos de defesa do mundo, com a União Europeia respondendo por um terço de suas exportações militares entre 2019 e 2023. Trata-se de uma potência industrial que, em plena escalada da ameaça russa, pode injetar capacidade produtiva onde ela mais falta: na fabricação europeia de armamentos.
O programa SAFE impõe uma cláusula de “preferência europeia” que exige que pelo menos dois terços de qualquer compra sejam fabricados no bloco. Para países terceiros, essa participação está limitada a 35%. Mas se o acordo for fechado, o Reino Unido será tratado como Estado-membro, sem limite máximo, o mesmo status já concedido à Noruega, Ucrânia e Islândia.
Na prática, Londres poderá participar de aquisições conjuntas com outros europeus, embora sem acesso direto aos empréstimos emitidos pela UE. A questão delicada que ainda deve estar sobre a mesa dos negociadores é o tamanho da contribuição financeira britânica ao programa.
O comissário europeu da Defesa, Andrius Kubilius, e o secretário britânico da Defesa, John Healey, devem discutir as negociações em andamento em uma ligação telefônica prevista para sexta-feira. A expectativa é que um entendimento antes do prazo-limite de 30 de novembro permita aos Estados-membros ajustar seus planos para incluir componentes britânicos.
O contexto geopolítico adiciona urgência ao movimento. O programa SAFE foi aprovado pelo Conselho em maio de 2025, com 19 Estados-membros manifestando intenção de participação que excede o orçamento disponível. A iniciativa visa fortalecer os gastos com defesa em resposta à crise ucraniana e às exigências dos Estados Unidos por maior investimento europeu em armamentos.
Portugal já sinalizou interesse em aderir ao SAFE, assim como Bélgica, Bulgária, Chipre, Estônia, França, Irlanda, Lituânia, Polônia, República Tcheca e Romênia. A Comissão Europeia pretende efetuar os primeiros pagamentos aos Estados-membros no máximo até o final do primeiro trimestre do próximo ano.
A reaproximação entre Londres e Bruxelas em matéria de defesa começou em maio, quando foi realizada a primeira cúpula entre Reino Unido e União Europeia desde o Brexit, que resultou em uma parceria de segurança e defesa, abrindo caminho para negociações sobre participação em concursos europeus de aquisição de armamentos.
O acordo sobre o SAFE seria mais um capítulo dessa normalização. Além do Reino Unido, Austrália e Canadá também manifestaram interesse em concluir acordos semelhantes com a UE, sinalizando que o programa pode se tornar uma plataforma de cooperação transatlântica mais ampla, algo que, em tempos de incerteza sobre o comprometimento americano com a segurança europeia, ganha contornos estratégicos fundamentais.






