Reino Unido nega extradição e vira abrigo para condenados brasileiros

17 de junho de 2025 4 minutos
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Em silêncio, o Reino Unido tem se transformado em destino frequente para brasileiros condenados pela Justiça. A explicação não está apenas em fronteiras abertas ou brechas diplomáticas, mas em algo mais complexo: o choque entre os padrões europeus de direitos humanos e a realidade do sistema penitenciário brasileiro. Na prática, decisões recentes da Justiça britânica vêm negando pedidos de extradição com base na precariedade das prisões no Brasil — criando um precedente que começa a inquietar autoridades em Brasília e reacender o debate sobre reciprocidade entre nações.

Desde 2017, pelo menos quatro brasileiros condenados por crimes graves, incluindo estupro de vulnerável e homicídio, escaparam da Justiça nacional ao se refugiar no Reino Unido. Em outros treze casos, o próprio governo brasileiro optou por desistir dos pedidos de extradição, temendo que derrotas sucessivas criassem uma jurisprudência ainda mais desfavorável em tribunais britânicos.

Essas decisões não apenas frustram autoridades brasileiras — elas reacendem o debate sobre soberania judicial, reciprocidade diplomática e os limites práticos da cooperação internacional quando o Estado de origem é incapaz de garantir os padrões mínimos de dignidade carcerária.

Para o Ministério da Justiça brasileiro, trata-se de um impasse de longo alcance. Segundo Rodrigo Sagastume, diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), a repetição de recusas mina a credibilidade do sistema penal brasileiro e pode incentivar outros condenados a seguirem o mesmo caminho.

Ao contrário de outros países europeus, como França e Portugal, que também são signatários da Convenção Europeia mas continuam aceitando pedidos brasileiros, o sistema jurídico britânico, baseado no Common Law, tende a seguir precedentes judiciais com mais rigidez. Soma-se a isso a capacidade dos acusados em contratar escritórios de advocacia especializados, que exploram cada nuance do arcabouço internacional de proteção aos direitos humanos.

É uma equação potente: advogados experientes, um sistema carcerário colapsado, um tribunal sensível a violações e um país que, por ora, evita confrontos diplomáticos. O resultado: criminosos com condenações definitivas permanecem impunes.

Um abismo de 400 mil vagas

O pano de fundo é incontornável. Com cerca de 800 mil presos e capacidade para menos da metade, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo. Relatórios do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) apontam para violações sistemáticas: superlotação, tortura, revistas vexatórias, confinamento em condições degradantes e violência institucionalizada.

Não se trata, portanto, de uma narrativa abstrata. Há fundamentos concretos, documentados, que sustentam a visão da Justiça britânica. Mas a generalização também carrega riscos. “Esse argumento coloca todo o sistema carcerário brasileiro em situação de colapso completa, o que não é verdade”, pondera Sagastume.

A repercussão recente desses casos ganha novo fôlego com a decisão do Supremo Tribunal Federal de solicitar a extradição da deputada Carla Zambelli, atualmente na Itália. Condenada por envolvimento em um esquema de invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça, ela argumenta estar protegida por sua cidadania italiana.

Especialistas, no entanto, lembram que o caso Henrique Pizzolato — extraditado da Itália mesmo após negativa inicial baseada nas condições dos presídios — mostra que a argumentação sobre o sistema penal brasileiro pode ser relativizada, desde que o Estado demonstre onde e como o condenado cumprirá pena digna.

No fim das contas, a controvérsia revela o dilema de um país que ratificou tratados internacionais de direitos humanos mas não os internalizou plenamente no seu sistema penal. E coloca em xeque o princípio da justiça como instrumento de reparação social.

O Reino Unido, ao se tornar uma espécie de “porto jurídico seguro” para criminosos brasileiros, não age em descompasso com sua própria legislação. Mas sua postura reiterada de recusa lança uma sombra sobre os acordos multilaterais de cooperação judiciária, ao mesmo tempo que pressiona o Brasil a enfrentar, com urgência, a reforma do seu sistema penitenciário — não apenas para assegurar extradições, mas para garantir justiça plena dentro de suas fronteiras.

 

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