
Nenhum outro país europeu tem tamanha densidade de clubes profissionais quanto a Inglaterra: são 92 apenas nas quatro primeiras divisões. Esse ecossistema, que combina tradição centenária com forte enraizamento comunitário, é ao mesmo tempo um motor econômico e um ponto de vulnerabilidade. É nesse terreno de paixão popular e fragilidade financeira que o Reino Unido decidiu acelerar a criação de um regulador independente para o futebol, o Independent Football Regulator (IFR), previsto para começar a operar em novembro de 2025.
A medida, conduzida pelo Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (DCMS), foi antecipada após a sanção da nova legislação em julho. O IFR terá poderes inéditos: poderá intervir na administração de clubes em crise, destituir proprietários e até definir preços em aquisições forçadas. A urgência da implementação reflete a instabilidade de clubes históricos como Sheffield Wednesday e Morecambe, que enfrentam dificuldades financeiras e ilustram os riscos de um modelo excessivamente dependente de investidores individuais.
O órgão será presidido por David Kogan, executivo com experiência no setor esportivo e de mídia. A composição do conselho ainda está em formação, mas a prioridade inicial será lidar com casos mais urgentes, estabelecendo gradualmente os mecanismos de regulação. A expectativa é que, uma vez consolidado, o IFR imponha maior disciplina financeira a um setor que movimenta bilhões de libras e representa um dos ativos culturais mais exportados pelo Reino Unido.
O pano de fundo econômico e geopolítico
O futebol inglês é hoje tanto um produto global quanto um reflexo de tensões locais. De um lado, a Premier League arrecada cifras recordes com direitos de transmissão internacionais, estimados em mais de £6,7 bilhões no ciclo 2022-2025, segundo a Deloitte. De outro, clubes médios e pequenos enfrentam déficits crônicos, dependentes de aportes de proprietários estrangeiros, muitos deles oriundos de países com interesses geopolíticos relevantes.
Esse contraste aprofunda a desigualdade interna: enquanto clubes da elite ampliam receitas comerciais, instituições de divisões inferiores lutam para sobreviver. A criação do IFR surge, portanto, não apenas como resposta a crises pontuais, mas como tentativa de preservar a sustentabilidade de um ecossistema que vai muito além do entretenimento. Envolve empregos locais, urbanismo e identidade cultural.
Apesar do apoio de parte da opinião pública e de setores do Parlamento, a medida levanta questionamentos sobre o equilíbrio entre regulação estatal e autonomia de mercado. Críticos temem que um excesso de intervenção reduza a atratividade do campeonato para investidores, especialmente em um cenário de competição global por capital esportivo, em que países como Arábia Saudita e Estados Unidos ampliam seus investimentos.
Por outro lado, defensores da regulação afirmam que sem mecanismos de governança robustos, o futebol inglês corre o risco de repetir crises semelhantes à do Bury FC, clube fundado em 1885 que foi expulso da Football League em 2019 após colapso financeiro.