
O acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul está mais próximo do que nunca de se tornar realidade. Nesta terça-feira (16), o Parlamento Europeu deu um passo crucial ao aprovar, por 431 votos a favor, 161 contra e 70 abstenções, um pacote robusto de salvaguardas agrícolas que deve pavimentar o caminho para a assinatura do tratado.
O texto aprovado pelos eurodeputados endurece os mecanismos de proteção inicialmente propostos pela Comissão Europeia e responde diretamente às principais críticas feitas por países contrários ao acordo. Pela nova regra, a Comissão Europeia deverá abrir uma investigação sempre que as importações de produtos considerados sensíveis, como carne bovina e aves, aumentarem 5% na média de três anos. O limite original previsto pela Comissão era de 10% ao ano.
Além disso, os prazos de investigação foram significativamente reduzidos. Em casos gerais, passam de seis para três meses. Para produtos sensíveis, o período cai de quatro para dois meses. A medida permite que a União Europeia suspenda temporariamente as preferências tarifárias de forma mais ágil caso identifique prejuízos aos produtores europeus.
Outro ponto central do texto é a introdução de um mecanismo de reciprocidade. Pela emenda aprovada, a Comissão deverá iniciar investigações e adotar salvaguardas sempre que houver evidências credíveis de que as importações beneficiadas por tarifas preferenciais não cumprem requisitos equivalentes aos exigidos na União Europeia em áreas como meio ambiente, bem-estar animal, segurança alimentar, saúde e proteção trabalhista — uma demanda defendida de forma consistente pela França.
A corrida contra o relógio e o papel decisivo da Itália
Com a aprovação no Parlamento, o processo entra agora em uma fase decisiva no Conselho da União Europeia, onde os governos nacionais precisarão chegar a um consenso final. Alemanha e a Comissão Europeia intensificaram nos últimos dias uma ofensiva diplomática para convencer a Itália a apoiar o acordo, incluindo uma reunião realizada na segunda-feira à noite entre a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, o chanceler alemão Friedrich Merz, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
“Se a Itália não embarcar, acabou. Espero que hoje vejamos as coisas um pouco mais claras”, afirmou Bernd Lange, presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu, em entrevista à Reuters.
Segundo fontes familiarizadas com as negociações, Meloni e o presidente francês Emmanuel Macron teriam concordado em adiar a votação no Conselho. A França, que se posiciona contra o acordo, trabalha para formar uma minoria de bloqueio, o que exige ao menos quatro países que representem mais de 35% da população da União Europeia.
A votação decisiva no Conselho está prevista para quinta-feira (19). Para que o acordo avance, será necessária a chamada dupla maioria: o apoio de 55% dos Estados-membros, ou seja, ao menos 15 dos 27 países, que representem no mínimo 65% da população da UE.
Além da França, Polônia e Hungria se opõem abertamente ao acordo. A Áustria é legalmente obrigada a votar contra, enquanto a Irlanda demonstra simpatia às preocupações francesas. Caso a Itália se junte ao grupo de oposição, diplomatas avaliam que a formação da minoria de bloqueio se tornaria praticamente inevitável.
Do outro lado, Alemanha, Espanha e os países nórdicos pressionam por uma aprovação rápida. O governo alemão, liderado por Friedrich Merz, vê o acordo como estratégico para ampliar o acesso de suas exportações industriais aos mercados sul-americanos.
A janela de oportunidade
Se o Conselho der sinal verde nos próximos dias, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, deverá viajar ao Brasil no sábado (20), onde a assinatura do acordo está prevista à margem da cúpula de chefes de Estado do Mercosul, em Foz do Iguaçu. Também são esperadas as presenças do presidente do Conselho Europeu, António Costa, e do comissário europeu de Comércio, Maroš Šefčovič.
O tempo, no entanto, é curto. “Os países do Mercosul estão ficando sem paciência. Se não for possível assinar agora, a janela de oportunidade se fechará”, afirmou Lange. “Estamos no caminho certo, mas ainda há muitas incertezas sobre o que está acontecendo no Conselho.”
Um diplomata europeu foi ainda mais direto: “Se não assinarmos o acordo com o Mercosul nos próximos dias, ele estará morto. Se não conseguirmos avançar, não faz sentido falar em soberania europeia. A União Europeia se tornaria geopoliticamente irrelevante.”
Os próximos passos
Mesmo que o acordo seja assinado nos próximos dias, o processo ainda não estará concluído. O texto deverá entrar em aplicação provisória e precisará ser ratificado pelo Parlamento Europeu, provavelmente no início de 2026.
Essa votação promete ser particularmente desafiadora. A oposição cruza linhas ideológicas e partidárias, reunindo deputados da extrema direita, da extrema esquerda e nacionalistas, sobretudo da França e da Polônia. Analistas estimam que cerca de 300 dos 720 eurodeputados possam votar contra.
Além disso, os parlamentos nacionais de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai também terão de aprovar o tratado. No Mercosul, porém, a entrada em vigor ocorre de forma individual após a ratificação em cada país, sem a necessidade de aguardar a aprovação simultânea dos quatro Congressos.





