
As mudanças climáticas estão redesenhando o mapa da vulnerabilidade global, e a Europa, tradicionalmente associada a invernos rigorosos, pode se tornar um dos epicentros das mortes relacionadas ao calor extremo nas próximas décadas. Um estudo publicado na Nature Medicine estima que mais de 2,3 milhões de mortes adicionais podem ocorrer no continente até 2099 se políticas de mitigação não forem implementadas com urgência.
O cenário é particularmente alarmante no sul da Europa, onde cidades como Barcelona, Roma, Nápoles e Madri estão entre as mais expostas. A pesquisa indica que Barcelona pode sofrer até 246.082 mortes relacionadas ao calor até o fim do século, tornando-se a cidade europeia mais impactada. A crescente urbanização e a falta de áreas verdes contribuem para o efeito de “ilhas de calor”, intensificando os impactos das ondas extremas de temperatura.
A relação entre temperatura e mortalidade já pode ser observada. O verão de 2023 foi um dos mais quentes da história e, segundo dados do World Weather Attribution, as ondas de calor que atingiram a Europa teriam sido praticamente impossíveis sem as mudanças climáticas provocadas pelo homem. A França, por exemplo, registrou mais de 5.000 mortes relacionadas ao calor apenas no último ano. No Reino Unido, onde o calor extremo era historicamente raro, os impactos começam a ser sentidos de forma mais severa.
Atualmente, as mortes relacionadas ao frio superam as provocadas pelo calor na Europa. Contudo, essa tendência deve se inverter ao longo do século. Mesmo em cenários de alta adaptação – onde medidas como ampliação de áreas verdes, melhorias na infraestrutura urbana e sistemas de alerta precoce são implementados – as mortes por calor ainda superariam a redução nas mortes por frio.
Além do impacto humano, há consequências econômicas e sociais relevantes. A produtividade do trabalho em setores como construção civil e agricultura já está sendo afetada, e os custos com saúde pública devem aumentar significativamente. O impacto sobre a infraestrutura urbana também preocupa: sistemas elétricos serão mais exigidos pelo aumento da demanda por ar-condicionado, enquanto estradas e trilhos de trem podem sofrer deformações devido ao calor intenso.
Desafio climático e estratégico
As projeções reforçam a urgência de políticas de mitigação e adaptação, não apenas como uma questão ambiental, mas como um imperativo econômico e social. O avanço das exigências regulatórias e a crescente pressão por transparência no setor ESG fazem com que governos e empresas precisem acelerar estratégias para reduzir emissões de gases de efeito estufa e preparar suas infraestruturas para eventos climáticos extremos.
O Banco Central Europeu já alertou que o risco climático pode impactar a estabilidade financeira, e investidores estão cada vez mais atentos ao nível de comprometimento das empresas com a adaptação às mudanças climáticas. Setores de energia, transporte e imobiliário estão entre os mais pressionados a desenvolver soluções para mitigar os efeitos do aquecimento global.
A Europa, que liderou historicamente iniciativas ambientais, agora se vê diante do desafio de implementar medidas eficazes para evitar uma crise de saúde pública sem precedentes. Sem ações concretas, o continente poderá enfrentar um futuro de verões letais, colocando em risco milhões de vidas e a própria sustentabilidade de suas cidades.