O renascimento frustrado dos trens noturnos na Europa

07 de novembro de 2024 4 minutos
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Os trens noturnos, símbolo de nostalgia e promessa de uma alternativa mais sustentável às viagens aéreas, ensaiaram uma volta triunfal pela Europa. O sonho de redes luxuosas cruzando o continente de cidade em cidade, sem check-ins estressantes nem filas nos aeroportos, parecia ao alcance. No entanto, para startups ferroviárias como a Midnight Trains, esse sonho encontrou uma realidade implacável. Em 31 de maio, Adrien Aumont, fundador da Midnight Trains, anunciou que a empresa não prosseguiria com seu ambicioso projeto. “A Midnight Trains faleceu hoje, rodeada de familiares e amigos”, lamentou, sugerindo o impacto emocional de um esforço que ficou aquém das expectativas.

A história da Midnight Trains representa as dificuldades que têm marcado as iniciativas privadas para operar trens noturnos no continente. O modelo de “acesso aberto”, criado para permitir que novas empresas compartilhem a infraestrutura com operadores estatais, levantou esperanças de maior competitividade e inovação. Inicialmente, parecia que startups e operadoras independentes poderiam expandir opções e reduzir tarifas. Na prática, porém, o sistema revelou suas armadilhas: burocracia pesada, custos de licenciamento altos e uma escassez de vagões adequados transformaram essas esperanças em desafios quase intransponíveis.

A dificuldade de se obter trens que atendam aos padrões de conforto e segurança necessários para viagens de longa distância é emblemática. European Sleeper, uma das poucas operadoras independentes que conseguiram avançar, passou mais de um ano em busca de vagões apropriados, terminando por adquirir uma frota de modelos dos anos 1970 e até dos anos 1950 — antigos, mas ainda operacionais. Essa dependência de veículos rodantes obsoletos, muitas vezes improvisados para operações noturnas, contrasta com as expectativas de luxo e praticidade que atraíram os consumidores.

Paralelamente, enquanto as startups se esforçam para sobreviver, operadores nacionais como a austríaca ÖBB, com apoio substancial do governo, estão expandindo seus serviços de trens noturnos. A ÖBB, com sua crescente rede Nightjet, formou parcerias com ferrovias estatais de países vizinhos, revitalizando rotas entre Viena, Zurique, Alemanha, França e além. A diferença de suporte financeiro entre empresas públicas e startups é gritante, levando Nick Brooks, da ALLRAIL, a criticar a “vantagem injusta” dos operadores estatais, que detêm virtualmente o monopólio do mercado noturno. Segundo ele, o mercado de trens noturnos é quase “fechado” para novos entrantes, contrariando a visão de um setor ferroviário único e integrado.

Para além das complexidades financeiras e de infraestrutura, a resistência política também é um obstáculo. Um exemplo está nos projetos do European Sleeper: em sua rota proposta entre Bruxelas e Barcelona, o trem atravessaria a França durante a noite, quando muitas linhas são fechadas para manutenção. A falta de coordenação intergovernamental nesse tipo de operação noturna cria barreiras, atrasando os cronogramas de expansão. A Midnight Trains, que sonhava operar entre Paris e destinos como Barcelona e Roma, foi obrigada a lidar com a resistência do setor ferroviário francês, o que contribuiu para inviabilizar seu projeto.

Diante da ausência de apoio governamental substancial, a inovação nos trens noturnos depende de recursos e de um mercado mais acolhedor para investimentos de longo prazo. Sem isso, mesmo as iniciativas bem-intencionadas esbarram na escassez de fundos e na relutância dos investidores em arriscar capital em empreendimentos de alta complexidade. As propostas de empresas como a Midnight Trains vão além de simples transporte: sua visão era oferecer uma experiência de “hotel sobre trilhos”, uma alternativa desejável para o público crescente de passageiros ambientalmente conscientes. Contudo, como observou o especialista ferroviário Mark Smith, o processo de colocar novos trens noturnos em operação “não deve ser subestimado”.

Enquanto isso, a demanda segue crescendo. Em toda a Europa, a sustentabilidade está cada vez mais na pauta, e o público anseia por alternativas viáveis ao transporte aéreo em viagens de média distância. Com uma política integrada da União Europeia, voltada a facilitar o acesso ao financiamento e a modernização da infraestrutura ferroviária noturna, o mercado de trens pode, enfim, florescer. Até lá, porém, o renascimento dos trens noturnos europeus, tão aguardado, permanece em grande parte um ideal aguardando realização.

 

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