Cinema dinamarquês é um dos mais premiados do mundo. Qual o segredo?

Entre 2006 e 2018, nenhum país teve mais produções indicadas ao Oscar de Filme Estrangeiro que a Dinamarca; união da indústria e apoio governamental são a chave por trás do sucesso

24 de fevereiro de 2019 5 minutos
Europeanway

Neste domingo (24/2), o mundo vai conhecer os vencedores da 91ª edição do Oscar, o prêmio mais importante da indústria do cinema. O dinamarquês Culpa (no original, Den Skyldige), do diretor sueco Gustav Möller, figurou na pré-lista de indicados à estatueta de melhor filme estrangeiro, mas acabou não entrando na relação final. Esse fato não tira o mérito nem da obra (foto) – vencedora, entre outros, do Festival de Sundance, meca do cinema independente – nem da indústria dinamarquesa de audiovisuais; entre outros feitos, o país foi o recordista de indicações ao Oscar de filme estrangeiro entre 2006 e 2018, com um total de seis indicações nesse período, segundo levantamento feito pelo Scandinavian Way.

Qual o segredo do sucesso dinamarquês? Diretores de filmes dinamarqueses que ganharam fama internacional, como Lars von Trier, Bille August, Thomas Winterberg e Nicolas Winding Refn, certamente merecem todos os elogios que recebem, mas igualmente determinante para o sucesso do cinemado país é seu modelo de organização, no qual a colaboração é o ponto central. A Escola Nacional de Cinema da Dinamarca e o Instituto de Cinema Dinamarquês criaram uma estrutura mais horizontal e uma liderança mais coletiva do que a vista em Hollywood ou mesmo em pesos pesados do cinema europeu.

LEIA TAMBÉM:
– Finlândia é a nova estrela das produções internacionais de cinema e TV

Segundo registra o site Science Nordic, essas conclusões apareceram na pesquisa “A Organização Socioeconômica das Indústrias Criativas”. “Na clássica tradição cinematográfica europeia – a chamada teoria do autor -, uma pessoa surge com a ideia, escreve o roteiro e dirige o filme”, diz o pesquisador Chris Mathieu, professor associado do Departamento de Organização da Copenhagen Business School e afiliado ao Departamento de Sociologia da Universidade de Lund, na Suécia. “Em Hollywood, por outro lado, o estúdio é o ator principal. Ali está o produtor que contrata um diretor para realizar uma ideia, e a autoria é mais coletiva, com opções sendo testadas por meio de pesquisa de mercado.”

Já na Dinamarca, afirma o pesquisador, diretor e produtor compartilham a responsabilidade com o roteirista em uma equipe criativa. O peso desses atores é equivalente. Nas entrevistas com profissionais dinamarqueses que trabalharam no exterior, Mathieu ouviu deles que a maneira dinamarquesa de fazer filmes é única porque os membros da equipe de filmagem têm a oportunidade de ter suas vozes ouvidas e ter influência sobre o resultado final do filme.

A diferença entre filmes europeus e americanos é muitas vezes colocada na dicotomia sucesso artístico versus sucesso comercial. Mas, segundo o pesquisador, os filmes dinamarqueses não se encaixam nessa visão polarizada. “A indústria cinematográfica dinamarquesa quer vender ingressos, é claro, mas o ganho financeiro não é a única métrica avaliada. Há também um valor central em atingir um grande público para transmitir uma mensagem. Afinal, os filmes são parcialmente financiados pelo Estado.”

Financiamento público – mas só se o filme for bom
Sim, existe também dinheiro público por trás do sucesso do cinema dinamarquês. O país criou o Danish Film Agreement, uma linha de financiamento de obras cinematográficas que ajudou a colocar de pé projetos como o próprio Culpa, elogiado em todo o mundo – o jornal britânico The Guardian chamou o suspense dinamarquês de “aula de cinema”.

A linha de financiamento foi renovada em novembro e terá validade até 2023. Ao todo, o investimento nesse período será de 560 milhõs de coroas dinamarquesas (ou cerca de R$ 320 milhões). O programa continuará financiando obras de orçamento mais enxuto (entre R$ 10 milhões e R$ 15 milhões), como Culpa, mas, em uma adaptação à demanda do público, também passou a ter maior margem de manobra, com a possibilidade de financiar obras que custam entre R$ 25 milhões e R$ 33 milhões.

“É importante fazermos isso. A medida pode nos ajudar a aumentar os resultados nas bilheterias”, diz Claus Ladegaard, CEO do Danish Film Agreement, segundo registra o site Cineuropa. “Além disso, os diretores dinamarqueses agora não precisam ir para o exterior para trabalhar com obras de orçamento mais elevado. Da forma como estava, a lei era muito restritiva.”

O apoio do poder público assegura um complemento para o financiamento das obras, e o sistema de colaboração prevê releituras sucessivas dos roteiros até que a melhor versão possível da história seja apresentada aos financiadores. Assim, recebem recursos os projetos já atestados como de primeira linha. Em outras palavras, só recebe dinheiro um filme bom; enquanto não estiver bom (e quem diz isso são os próprios integrantes da indústria), o roteiro continuará sendo refeito e relido.

“É claro que os cineastas dinamarqueses competem uns com os outros, mas também existe a consciência de que o sucesso e a continuidade do cinema dinamarquês são de interesse de toda a indústria”, diz o pesquisador Chris Mathieu. “Em muitos aspectos, isso se assemelha ao mundo do futebol: você pode ser fã de um time de futebol dinamarquês em particular, mas ainda quer que a seleção nacional dinamarquesa se dê bem.”

Em tempo: depois de aclamado pela crítica, pelo público e, claro, por quem faz a indústria cinematográfica dinamarquesa, Culpa (que estava em cartaz no Brasil até o início de fevereiro e acabou de entrar no catálogo do Now, serviço de streaming da operadora NET) conquistou também o coração de Hollywood: a história de um policial que atende uma chamada de emergência e corre contra o tempo para salvar uma mulher sequestrada ganhará uma versão americana, estrelada por Jake Gyllenhaal.

Europeanway

Busca