
A decisão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) de ampliar para 5% do PIB a meta anual de investimentos em defesa até 2035 sinaliza um novo patamar de ambição militar para o bloco ocidental, mas também acirra tensões internas e levanta dúvidas sobre a sustentabilidade econômica e social da proposta. Aprovada em junho durante a cúpula da aliança em Haia, a medida é apresentada como resposta ao agravamento das ameaças geopolíticas, sobretudo a ofensiva russa na Ucrânia. Mas seu impacto fiscal já provoca resistências em países-chave da União Europeia.
A nova diretriz eleva o piso de investimentos em defesa dos atuais 2% para 5% do PIB em cada país membro. O objetivo, segundo o comando da OTAN, é robustecer a dissuasão militar, com foco não apenas em armamentos, mas também em cibersegurança, infraestrutura crítica e inovação tecnológica. A previsão é de que 3,5% sejam destinados a gastos diretos e 1,5% a áreas correlatas.
Na prática, isso representaria quase dobrar os gastos anuais com defesa na região, saltando de US$ 1,5 trilhão em 2024 para cerca de US$ 3 trilhões até 2035, conforme estimativas divulgadas pela Reuters.
Fardo assimétrico
Embora seja uma aliança militar, a OTAN não conta com mecanismos de financiamento coletivo proporcionais às capacidades fiscais de seus membros. Em 2024, os Estados Unidos responderam por dois terços dos gastos totais da organização, com US$ 1 trilhão investidos. A Europa, mais uma vez, ficou dependente da proteção americana, mesmo sob pressão do governo de Joe Biden e, mais recentemente, de Donald Trump, para assumir maior protagonismo.
Na nova proposta, Washington defende que sua participação seja reduzida para 50% do total. Isso significaria que os países europeus teriam de aumentar significativamente seus orçamentos de defesa, algo considerado polêmico do ponto de vista político e social.
Países como França, Alemanha, Itália e Espanha já sinalizaram preocupações. O primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez afirmou que não aceitará a nova meta, mantendo o compromisso atual de 2,1% do PIB. Segundo ele, elevar os gastos militares exigiria cortes em pensões, saúde e educação ou aumento de impostos, medidas politicamente custosas.
Divergências internas
Nem todos os membros da OTAN reagem com ceticismo. Polônia, Estônia e Lituânia, mais próximas geograficamente da Rússia, já superaram os 3,5% de investimento militar. A Alemanha suspendeu seu “freio da dívida” para destinar recursos extras à defesa, com um acréscimo de mais de US$ 130 bilhões no orçamento.
Para países com menos fôlego fiscal, como Itália e Grécia, a meta parece inatingível. A dívida pública italiana já alcançou 135% do PIB e a francesa, 112%. A flexibilização de regras fiscais na zona do euro, com a revisão do Pacto de Estabilidade e do BCE, pode atenuar as pressões, mas não elimina os desafios.
O dilema europeu
A Europa enfrenta, assim, um dilema estrutural: reforçar sua autonomia estratégica e militar ou preservar o modelo de bem-estar social que se tornou marca do continente. Aumentar os gastos de defesa sem comprometer pensões, salários e serviços essenciais requererá ajustes políticos delicados e, possivelmente, novos pactos sociais.
Em tempos de guerra prolongada e inseguranças globais, a decisão da OTAN projeta um novo tipo de tensão: não apenas entre potências militares, mas também entre prioridades internas e alianças estratégicas. O caminho até 2035 será tanto de blindagem quanto de equilíbrio político.