Montadoras enfrentam marcha lenta na corrida elétrica

30 de setembro de 2025 5 minutos
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A transição para os veículos elétricos na Europa, antes tratada como inevitável, está enfrentando um choque de realidade. Volkswagen, Ford e Stellantis – três pilares da indústria automotiva – anunciaram cortes e paralisações em fábricas no continente, sinalizando que a demanda não acompanha a velocidade das metas regulatórias nem o otimismo das projeções de mercado.

A Volkswagen vai suspender parte da produção de modelos elétricos na Alemanha a partir de outubro. A planta de Zwickau, transformada em vitrine da estratégia elétrica do grupo, paralisará a linha do Audi Q4 e-tron por uma semana. O motivo, segundo porta-voz da fábrica, é a combinação de procura mais fraca na Europa e das tarifas impostas pelos Estados Unidos, que comprimem margens.

Não é a primeira vez que Zwickau enfrenta ajustes. Oscilações de demanda já haviam levado a interrupções nos últimos dois anos. A fábrica produz ainda os Volkswagen ID.3, ID.4, ID.5 e o Cupra Born. Em Emden, onde saem os ID.4 e ID.7, a solução foi reduzir jornadas e programar paradas parciais.

Apesar das dificuldades, a Volkswagen superou recentemente a Tesla em vendas de elétricos no continente, com cerca de 16 mil unidades ID emplacadas no último mês, um salto de 45% frente ao ano anterior. O volume, no entanto, mostra-se insuficiente para sustentar linhas operando em plena capacidade.

Depois de eliminar modelos históricos como Fiesta e Mondeo, a Ford planeja cortar mais 1.000 postos em Colônia, Alemanha. O insucesso comercial dos elétricos Capri e Explorer pressiona a operação. A empresa já admite que não conseguirá cumprir a meta de ter apenas elétricos na Europa a partir de 2030.

O discurso oficial aponta para uma equação conhecida: vendas abaixo do esperado, infraestrutura de recarga insuficiente e ausência de incentivos robustos. A reação foi reposicionar a estratégia com um novo SUV híbrido e a combustão, reconhecendo que a eletrificação integral não encontrará terreno fértil no curto prazo.

A Stellantis, conglomerado formado por Peugeot, Fiat, Opel, Jeep e outras marcas, também está ajustando seu ritmo. O Alfa Romeo Tonale, que deveria alavancar a marca no segmento de crossovers, amarga queda de 42% na Europa até agosto. Resultado: a fábrica de Pomigliano, no sul da Itália, ficará paralisada entre 29 de setembro e 10 de outubro.

Outros modelos como Dodge Hornet, Fiat Panda antigo, DS 3 e Opel Mokka também terão linhas suspensas em diferentes plantas. Segundo a ACEA, as vendas do grupo recuaram 8,1% até julho, um baque para marcas que já sofrem com margens estreitas.

Ao mesmo tempo, há pontos de respiro. O novo Fiat Grande Panda impulsionou as vendas na Itália, e o Alfa Romeo Junior já acumula 45 mil pedidos em 38 países. A transição, no entanto, revela-se desigual, com modelos bem-sucedidos em nichos e outros encalhados nos pátios.

O dilema europeu

A desaceleração nas fábricas acontece em meio a pressões políticas. A União Europeia manteve firme o banimento de novos carros a combustão a partir de 2035, mas a velocidade da demanda real contrasta com os planos de gabinete. Para consumidores, o alto preço dos elétricos e a infraestrutura de recarga ainda insuficiente explicam a hesitação. Para montadoras, os custos elevados e a concorrência agressiva de fabricantes chineses minam margens e planos de expansão.

A pressão vem principalmente da BYD, que triplicou suas vendas na União Europeia em agosto de 2025, superando a Tesla pelo segundo mês consecutivo. No primeiro semestre de 2025, as marcas chinesas cresceram 91% em vendas na Europa, atingindo 5,1% de participação de mercado, o dobro do registrado no ano anterior. A ofensiva ocorre apesar das tarifas punitivas impostas pela UE sobre veículos elétricos fabricados na China, sinalizando que preço e tecnologia chineses encontraram espaço mesmo em ambiente regulatório hostil.

Os números confirmam o gargalo da infraestrutura. Ao final de 2024, a União Europeia contava com pouco mais de 882 mil pontos de recarga públicos, sendo 16% carregadores rápidos (DC) e 84% convencionais (AC). Para atender a frota estimada de 40 milhões de elétricos até 2030, o continente precisará de pelo menos 3 milhões de pontos públicos, uma expansão de mais de 240% em cinco anos. A distribuição é desigual: Alemanha, França, Holanda e Bélgica concentram a infraestrutura, enquanto países do sul e leste europeu seguem defasados.

Segundo dados recentes da Agência Europeia do Ambiente, a participação dos elétricos nas novas vendas atingiu 15% no primeiro semestre de 2025, crescimento expressivo frente a 2020, mas longe de consolidar o salto necessário para cumprir as metas climáticas.

Do lado do consumidor, a hesitação persiste. Os elétricos puros atingiram 15,8% de participação de mercado até agosto de 2025, crescimento frente aos 12,6% do ano anterior, mas os híbridos tradicionais lideram com 34,7%, mostrando-se a escolha preferida dos europeus. A preferência revela pragmatismo: consumidores buscam eletrificação gradual sem abrir mão da autonomia da combustão. Preço elevado, autonomia limitada e tempo de recarga seguem como barreiras principais, especialmente para quem não tem acesso a carregamento doméstico.

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