Lição no Senado: como a Islândia tem tirado os jovens das drogas

Chefe do bem-sucedido programa islandês de combate ao consumo de entorpecentes contou a senadores brasileiros por que a experiência é vitoriosa

19 de setembro de 2019 4 minutos
Europeanway

Talvez nenhum país do planeta tenha um programa tão bem-sucedido de combate ao consumo de drogas entre adolescentes e jovens do que a Islândia. Batizada de Youth in Iceland (Juventude na Islândia), a experiência já existe há duas décadas – e acaba de se transformar em tema de debate em uma audiência pública em Brasília, na qual senadores das Comissões de Assuntos Sociais e de Educação ouviram diretamente de Jón Sigfússon, diretor do programa, por que a iniciativa islandesa é vitoriosa.

Em 20 anos, o programa conseguiu reduzir de 42% para 7% o consumo de álcool entre jovens de 15 e 16 anos. No período de 1998 a 2018, a redução no uso de cigarros foi de 23% para 6%, e o de maconha foi de 17% para 7%. Com o sucesso, a abordagem islandesa já foi levada a outros 28 países, entre eles Chile, Austrália, Portugal, Espanha, França, Itália, Holanda, Bulgária e Lituânia.

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Segundo a Agência Senado, com a audiência pública, realizada no último dia 4, os senadores queriam conhecer as bases da iniciativa para avaliar o que poderia ser aplicado no Brasil. Jón Sigfússon afirmou no encontro que não existe uma fórmula mágica, mas que o envolvimento da família com as crianças é um dos passos fundamentais. “O tempo passado com os pais é o principal fator de prevenção do uso de substâncias”, disse ele.

O diretor contou que, em 1998, o consumo de drogas entre jovens na Islândia era assustador. Com isso, os pesquisadores decidiram monitorar as circunstâncias e o comportamento dos adolescentes e relacioná-los ao consumo de drogas lícitas e ilícitas. Entre as garotas que tinham ficado bêbadas nos últimos 30 dias, por exemplo, 42% quase nunca tinham a companhia dos pais e 28% raramente ficavam com eles. Apenas 10% estavam quase sempre na companhia dos pais.

As descobertas fizeram as autoridades concluir que programas e slogans nas escolas ou fotos grotescas de pessoas doentes e pulmões ruins não estavam funcionando. “Era preciso mudar a rotina da juventude, não só as atitudes que acompanhavam essa rotina. Era preciso mudar o ambiente e o estilo de vida das crianças para que elas ficassem menos sujeitas ao risco de usar substâncias ilícitas”, diz. “O foco foi para a prevenção primária, para as crianças ainda pequenas e, portanto, ainda sem contato com a droga.”

O projeto foi então desenvolvido em três pilares: uso de evidências e pesquisas, uso de práticas locais considerando as peculiaridades de cada cidade e diálogo entre pesquisadores e formadores de políticas públicas.

Na parte de levantamento de dados, pesquisas com os jovens e crianças passaram a balizar todas as decisões. As pesquisas apuram informações sobre ansiedade, valores do grupo de amigos, questões psicológicas, intenção de suicídio, internet, jogos, violência, sintomas de depressão e ansiedade e comportamentos delinquentes.

A partir dessas informações, levantadas por meio de questionários e em conversas com as crianças, a cidade trabalha, em linhas gerais, com o fortalecimento de associações e cooperativas de pais, apoio a crianças em risco dentro das escolas, a atividades extracurriculares, a organizações não-governamentais e formação de grupos de trabalho cooperativos contra abuso de drogas.

Como resultado da atuação formal das cidades, as políticas públicas foram modificadas na Islândia: a idade mínima para comprar tabaco e álcool subiu para 18 e 20 anos, respectivamente. Além disso, a maioridade foi de 16 para 18 anos e baniu-se a propaganda de álcool e tabaco, produtos que não ficam mais à mostra. Os pais foram orientados sobre as horas noturnas em que os adolescentes não deveriam estar fora de casa.

Funcionaria no Brasil?

Um dos pontos debatidos pelos senadores foi a enorme diferença das realidades de Islândia, que tem cerca de 350 mil habitantes, e Brasil, com população superior a 200 milhões de pessoas. Será que um programa que deu certo em um país pequeno pode servir de parâmetro para um de dimensões continentais?

Segundo Sigfússon, a experiência pode, sim, ser adaptada com sucesso. Ele relata que o programa já foi adotado por países bem maiores e com características diferentes da Islândia. “O importante é que, na pesquisa, são levados em conta apenas os dados locais da comunidade em que a criança e o jovem vivem”, disse.

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