
Uma cervejaria bávara de 172 anos, que sobreviveu a duas guerras mundiais e à divisão do continente, não resistiu a uma ameaça menos visível: a mudança de hábitos da Geração Z. Localizada a poucos quilômetros da antiga fronteira da Alemanha Oriental, a empresa encerrou as atividades em 2024 após constatar que não teria como investir os €12 milhões necessários para modernizar os equipamentos.
O caso simboliza um declínio que se espalha por todo o setor. No primeiro semestre de 2025, a produção de cerveja na Alemanha caiu 6,3%, para 3,9 bilhões de litros, o nível mais baixo desde 1993, segundo o Destatis. O consumo per capita, que chegava a 126 litros em 2000, não passa hoje de 88 litros anuais. Entre 2023 e 2024, 52 cervejarias alemãs fecharam as portas, no maior recuo em três décadas. “Mesmo negócios com séculos de história podem não resistir”, alertou Holger Eichele, presidente da Associação Alemã de Cervejeiros.
A retração não se explica apenas por inflação e energia cara. Há também uma mudança geracional: para os jovens europeus, beber cerveja deixou de ser hábito diário para se tornar consumo ocasional e muitas vezes de versões sem álcool.
A Geração Z, nascida entre 1997 e 2012, tem reduzido significativamente a ingestão de álcool. Na Alemanha, mais de 800 tipos de cerveja sem álcool já estão no mercado, mas essa diversidade não impediu a queda geral do consumo.
O fenômeno se repete fora da Alemanha. Na Espanha, mais de 50% dos jovens adultos afirmam ter reduzido o consumo, e as vendas de cerveja caíram 13,3% entre os que têm de 18 a 24 anos. Na França, a parcela de jovens de 17 anos que nunca consumiu álcool subiu de menos de 5% para quase 20% em duas décadas. Já no Reino Unido, pesquisa da Heineken com Oxford mostra que a maioria aceita bebidas sem álcool, mas ainda enfrenta a pressão social para beber em ocasiões públicas.
A tendência é reforçada por influenciadores digitais e personal trainers que associam cerveja a calorias vazias e a entraves ao ganho de massa muscular. O discurso da saúde e da performance entrou de vez na cultura de consumo.
A reinvenção das marcas
O setor reagiu. A produção de cerveja sem álcool quase dobrou na última década e grandes cervejarias investem em processos caros de retirada do álcool. Já as pequenas recorrem a métodos mais baratos, interrompendo a fermentação antes da hora, o que resulta em bebidas mais doces. O problema é que o mercado está saturado, e a competição favorece gigantes com escala e canais de distribuição consolidados.
Além das versões 0,0, crescem também as bebidas híbridas, como os Radlers (misturas de cerveja com refrigerante) e as variações com frutas. Se antes a Oktoberfest era símbolo absoluto da tradição alcoólica, hoje campanhas publicitárias em estações de trem promovem cervejas sem álcool — um sinal de que o setor tenta falar a língua de uma nova geração.
Apesar da narrativa da abstinência, o cenário é mais ambíguo. Dados da IWSR mostram que a proporção de jovens que voltou a consumir álcool passou de 66% em 2023 para 73% em 2025. Pesquisadores apontam que parte da queda anterior foi efeito da renda limitada, e não apenas de uma rejeição cultural. O futuro do mercado pode, portanto, depender da recuperação do poder de compra.
Há ainda um contraste demográfico: enquanto jovens optam pela moderação, gerações acima dos 65 anos aumentaram o consumo, compensando parcialmente a queda entre os mais novos, segundo levantamento da rádio espanhola Cadena SER. O mercado cervejeiro europeu se desloca, assim, para faixas etárias mais velhas.