
A decisão do governo italiano de endurecer os critérios para o reconhecimento da cidadania por descendência marca uma virada significativa em uma política que, por décadas, beneficiou milhões de ítalo-descendentes, principalmente no Brasil e na Argentina. A nova regulamentação, já em vigor, estabelece que a cidadania por direito de sangue (jus sanguinis) só será reconhecida após decisão judicial definitiva — um movimento interpretado como tentativa de barrar o avanço de processos coletivos e acelerar a análise dos pedidos individuais.
O principal alvo da medida são os chamados “comuni amigos”, pequenos municípios italianos que vinham sendo procurados por brasileiros para agilizar o reconhecimento da cidadania, muitas vezes por meio de brechas administrativas e judiciais. Agora, os oficiais do estado civil nesses municípios estão proibidos de registrar automaticamente decisões provisórias — um rito comum até então para acelerar a concessão da cidadania.
Com mais de 30 milhões de descendentes de italianos vivendo fora da Itália — cerca de 60% no Brasil, segundo estimativas consulares —, a mudança afeta diretamente um mercado crescente de assessorias, tradutores, advogados e até pacotes turísticos voltados para o “turismo da cidadania”. Somente em 2023, mais de 20 mil brasileiros obtiveram a cidadania italiana, segundo dados do Ministério do Interior da Itália.
A nova regulamentação tende a desacelerar esse mercado e a elevar os custos e prazos envolvidos nos processos, especialmente para quem depende da via judicial — que agora exigirá trânsito em julgado da sentença.
Impacto político e demográfico
A medida reflete uma mudança de postura do governo Meloni, que tem adotado um discurso mais restritivo em relação à imigração. Ao mesmo tempo, a Itália vive um paradoxo: precisa de mão de obra jovem e qualificada para sustentar sua economia envelhecida, mas restringe o acesso à cidadania mesmo para descendentes diretos.
Em 2022, a população italiana caiu para 58,8 milhões — o menor número desde 2011 — e estima-se que, até 2050, um terço da população do país terá mais de 65 anos. O endurecimento das regras pode ser contraproducente no médio prazo, a menos que venha acompanhado de políticas ativas de imigração legal e integração.
Outros países da UE observam atentamente os desdobramentos na Itália. A Espanha, por exemplo, tem debatido internamente possíveis ajustes nas regras de nacionalidade por origem. Há um movimento generalizado de revisão das políticas migratórias, motivado tanto por pressões populistas quanto por exigências de governança e segurança jurídica.
O que muda na prática:
- Reconhecimento via judicial agora exige decisão final (sem efeito provisório)
- Oficiais do estado civil estão impedidos de registrar decisões não transitadas em julgado
- Possível aumento nos prazos e custos dos processos
- Revisão de milhares de pedidos em andamento
Juristas e associações de descendentes têm se mobilizado para questionar a legalidade da mudança, que foi implementada por meio de uma circular administrativa e não por alteração legislativa. Há expectativa de judicialização em massa e possível reação no parlamento italiano.