Em novembro passado, a rede varejista multimarcas Carlings, da Noruega, lançou aquela que seria sua primeira coleção de "roupas digitais", em uma iniciativa que acabou atraindo a atenção da indústria da moda do mundo todo. A coleção tinha, ao todo, 19 modelos, que custavam entre € 10 e € 30 (R$ 44 e R$ 134), com oferta de no máximo 12 unidades por modelo. A roupa digital não existe no mundo físico: os designers da Carlings "vestem" uma foto enviada pelo comprador da peça, e essa imagem pode depois ser compartilhada nas redes sociais. Com o impulso dado por um time de influenciadores digitais contratado pela marca, a coleção esgotou-se em uma semana.
A inovação da Carlings acabou se transformando em referência para um novo filão do mundo da moda: vender para quem quer aparecer bem nas fotos postadas no Instagram e outras redes sociais, mas não necessariamente deseja levar uma peça de verdade. E a ideia também é um marco de transformação digital de uma empresa centenária, conhecida por sua ampla variedade de jeans e roupas casuais e que tem mais de 200 lojas físicas na Suécia, Finlândia e Dinamarca, além da Noruega: a coleção "instagramável" foi a maneira que a varejista encontrou para a tardia estreia de sua primeira loja online.
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"Vestir" uma pessoa apenas virtualmente não é uma ideia exatamente nova, mas a Carlings destacou-se pelo lançamento de uma coleção inteira e pelo sucesso das vendas logo na estreia. A referência veio especialmente dos jogos eletrônicos. "Nós começamos a pensar sobre como seria uma loja virtual daqui a dez anos”, disse ao canal CNBC Morten Grubak, diretor executivo de criação da Virtue Nordic, agência que ajudou a Carlings a desenvolver o projeto. “É claro que (fomos) inspirados pela indústria de jogos."
Para "usar" sua roupa digital, o cliente envia uma foto para uma equipe de designers da Carlings, que faz o tratamento da imagem aplicando sobre ela a peça escolhida. É o mesmo conceito usado, por exemplo, no Fortnite, um jogo eletrônico em que roupas, peles e adereços são vendidos aos jogadores, que consomem esses itens no mundo virtual utilizando dinheiro de verdade. Esse comércio ajudou a Epic Games, dona do Fortnite, a crescer a ponto de ser avaliada em US$ 1 bilhão, segundo a empresa de pesquisa de mercado Nielsen SuperData.
Ronny Mikalsen, CEO da Carlings, conta que a primeira apresentação do projeto da coleção virtual foi “a reunião mais estranha da minha vida”. Mas, depois de uma nova reunião (e de uma conversa com sua filha de 12 anos), ele percebeu que havia, sim, demanda por esse tipo de item. E mais um atestado de que a inovação foi um acerto veio no último mês de junho, quando a coleção virtual da Carlings foi premiada no Festival de Cannes.
Mas, afinal, por que as pessoas gastam com algo que não vão usar de verdade? Mais uma vez a indústria de games dá a pista: no Fortnite, os itens comprados pelos jogadores não lhes permitem passar de fase ou ganhar vidas extras, mas ainda assim eles os compram porque querem chamar a atenção, se diferenciar de outros jogadores ou apenas se divertir com os amigos. A moda, como mostra a iniciativa da Carlings, não é simplesmente vestir uma roupa: ela é uma maneira de exibir identidade. E se o canal para apresentar isso ao mundo é virtual, por que encher o armário com algo que não se vai mais usar?
Clique aqui para conhecer a coleção – e, quem sabe, já levar uma peça. A colecão esgotada em novembro foi relançada e está disponível.