É bom deixar claro logo no início: a Finlândia é um país tão capitalista quanto é possível ser. Nasceram lá, apenas para citar alguns dos exemplos mais notórios, a empresa de tecnologia Nokia, a fabricante de papel e celulose Stora Enso e a Valtra, que produz tratores e máquinas agrícolas bastante populares no agronegócio brasileiro.
A Finlândia tem aparecido com frequência no topo do ranking dos “países mais felizes do mundo”. A última lista, de 2018, foi elaborada pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que, entre 156 nações, avaliou itens como produto interno bruto per capita, apoio social, expectativa de vida saudável, liberdade social, generosidade e ausência de corrupção. E a cidade mais feliz do país mais feliz do mundo é Kauniainen, onde uma série de serviços bancados pelo Estado ajuda a construir o bem-estar da população.
Em um prédio alto localizado na periferia da cidade, o Centro de Educação de Adultos é um dos cartões de visitas da infraestrutura que faz a boa fama do município. No porão, alguns frequentadores tecem tapetes em grandes teares e faziam cerâmica. No térreo, um coral ensaia. Nos andares acima, há atividades que vão de pinturas de réplicas de ícones cristãos ortodoxos a aulas de ioga. Subsidiado pelo Estado e pela prefeitura, o centro oferece aulas noturnas baratas para os moradores. Cerca de 15% da população da cidade está matriculada, alguns pagando o equivalente a R$ 3 por hora de aula, dependendo do curso.
Centros semelhantes são encontrados em toda a Finlândia, relata o jornal The New York Times em ampla reportagem sobre a cidade, mas Kauniainen é particularmente ativa. “É esse tipo de serviço que torna a cidade mais animada do que a maioria”, disse ao jornal Seija Soini, uma empresária aposentada que frequenta aulas de pintura. "A principal razão é que as pessoas têm algo para fazer. É como psicoterapia.”
(Muito) esporte e cultura
Nesta cidade de 9600 habitantes existem mais de 100 clubes desportivos e culturais, todos eles subsidiados de alguma forma pelo poder público: clubes para a minoria da população que fala sueco, clubes para a maioria que fala finlandês, uma pista de esqui, uma escola de música para crianças, uma escola de arte para crianças, um estádio de atletismo, uma pista de gelo – e até mesmo um conjunto de escadas ao ar livre, conhecido como “kuntoportaat”, que permite que as pessoas se mantenham em forma subindo e descendo.
Quando os moradores discutiram, há duas décadas, se deveriam construir uma pista de hóquei no gelo ou uma quadra de handebol, o conselho municipal resolveu a disputa financiando ambos. A única instituição ausente é uma delegacia de polícia: com taxas mínimas de criminalidade, não é preciso ter uma.
Sistema de saúde barato e educação gratuita
Tudo isso complementa um sistema de saúde universal bom e barato, educação universitária gratuita e assistência infantil a preços acessíveis. E um sistema escolar que, ainda que com uma queda recente nos rankings internacionais, ainda é considerado um dos melhores do mundo.
Para pagar por tudo isso, os impostos são altos. Mas os moradores dizem que podem sentir o retorno: uma sociedade com baixa desigualdade, alta oportunidade e forte senso de solidariedade.
A riqueza também ajuda. Embora a proporção de pessoas com baixos rendimentos em Kauniainen seja quase a mesma que no resto da Finlândia, o percentual de pessoas com alta renda é aproximadamente o dobro da média nacional. Isso ocorre porque as alíquotas de impostos municipais da cidade são um pouco mais baixas do que em outras partes do país, o que transformou Kauniainen em um destino atraente para aqueles que podem se mudar para lá.
Todos ganham
Isso tem vantagens para todos os moradores. Individualmente, os ricos pagam menos impostos. Mas, coletivamente, eles criam um rendimento tributário maior, permitindo que o conselho municipal gaste cerca de quatro vezes mais em atividades culturais, per capita, do que o distrito finlandês médio, três vezes mais em esportes e 50% a mais em creches.
Tudo isso gera alguma satisfação básica, diz Finn Berg, ex-presidente do conselho municipal. "Tenho pensado sobre o que é felicidade, e a felicidade é estar contente com a sua vida e não ser infeliz", disse Berg. "E eu não sou miserável."