Durante dois anos, a Finlândia testou um programa de renda mínima universal para descobrir que efeitos a iniciativa teria sobre o bem-estar e o nível de emprego dos beneficiários. Especialistas em políticas públicas têm aguardado com expectativa os resultados da experiência. Os primeiros dados saíram nesta sexta-feira (8/2) e mostram que não há maniqueísmo na análise – ou em outras palavras, há argumentos tanto para dizer que a iniciativa é positiva quanto que é negativa.
De janeiro de 2017 a dezembro do ano passado, 2 mil finlandeses desempregados receberam um pagamento mensal de € 560, ou o equivalente a R$ 2.360. Do lado positivo, os beneficiários reportaram que suas vidas melhoraram. Em contrapartida, o nível de emprego dos participantes não subiu muito durante a vigência do programa, segundo registra a BBC.
“Com base em uma análise dos dados, podemos dizer que durante o primeiro ano do experimento os beneficiários não se saíram melhor nem pior que o grupo de controle na busca por um trabalho", resumiu Ohto Kanninen, coordenador do projeto no instituto de pesquisas econômicas Palkansaajien Tutkimuslaitos, de acordo com o jornal Helsinki Times.
Os dados mostram que as pessoas que foram selecionadas para participar do estudo trabalharam, em média, apenas meio dia a mais do que as pessoas do grupo de controle (uma das hipóteses testadas era se, com renda assegurada, os beneficiários poderiam ter melhor desempenho na busca por emprego, já que, em tese, estariam se sentido mais seguros). O rendimento obtido foi, em média, 21 euros mais baixo entre os beneficiários do que entre os não-participantes.
Pelo lado positivo, mais da metade (55%) dos participantes do estudo disseram sentir que estão com saúde boa ou muito boa; no grupo de controle, essa fatia foi de 46%. Os beneficiários também relataram níveis mais baixos de estresse do que as pessoas do grupo de controle: entre os beneficiários, 17% se disseram um pouco ou muito estressados; no grupo de controle, a fatia foi de 25%.
“Os beneficiários da renda básica tiveram menos sintomas de estresse, menos dificuldades de concentração e menos problemas de saúde do que o grupo de controle. Eles também estavam mais confiantes em seu futuro e capacidade de influenciar questões sociais ”, disse Minna Ylikännö, uma das principais pesquisadoras do Kela, o instituto de seguridade social do país.
Com a iniciativa, um dos principais objetivos da Finlândia era verificar se a rede de segurança criada com o dinheiro garantido todo mês ajudaria as pessoas a encontrar trabalho. Com isso, um país poderia adotar o benefício em larga escala em momentos de piora da economia.
Quando lançou o programa, em 2017, a Finlândia tornou-se o primeiro país europeu a testar a ideia de uma renda básica que não exige contrapartidas. O projeto foi administrado pelo Kela, e os beneficiários foram escolhidos por sorteio.
O que é renda básica e como ela funciona?
A renda básica universal prevê que todos os cidadãos recebam uma remuneração mensal fixa, sem que se exija algo em troca. A Finlândia fez uma adaptação desse conceito, já que seu programa foi dirigido a pessoas desempregadas. Outra variação popular são os "serviços básicos universais". Com essa abordagem, em vez de assegurar renda, o governo oferece gratuitamente serviços como educação, saúde e transporte.
Os estudos sobre renda básica universal voltaram a ficar sob os holofotes recentemente, mas a ideia não é nova: ela foi descrita pela primeira vez em Utopia, de Sir Thomas More, publicado em 1516 – ou 503 anos atrás. Além da Finlândia, o Quênia está fazendo uma experiência com adultos de uma vila do país, que vão receber o equivalente a R$ 80 por mês durante 12 anos – os pagamentos vão até 2028. O governo italiano também está trabalhando na criação de uma "renda dos cidadãos", e a cidade de Utrecht, na Holanda, vai realizar um estudo de renda básica chamado Weten Wat Werkt – "Saiba o que funciona" – até outubro.
Encerrado o experimento, os pesquisadores finlandeses agora vão esmiuçar as informações coletadas – um relatório mais completo sobre a experiência será publicado em 2020. Miska Simanainen, um dos pesquisadores do Kela que participaram do programa, diz que não é o caso de avaliar se a experiência "falhou" ou não. De seu ponto de vista, registra a BBC, "não é o caso de falar em sucesso ou fracasso. É apenas um fato, e [nos dá] informações não tínhamos antes desse experimento."