Europa impõe tarifas a veículos elétricos chineses e desafia equilíbrio entre transição verde e rivalidade comercial

02 de maio de 2025 4 minutos
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A decisão da União Europeia de aplicar tarifas que chegam a 45,3% sobre veículos elétricos (VEs) importados da China marcou um novo capítulo na crescente disputa entre abertura comercial e proteção industrial em tempos de transição energética. A medida, em vigor desde outubro de 2024, mira diretamente os subsídios estatais oferecidos por Pequim a suas montadoras — prática que Bruxelas considera uma distorção de mercado e uma ameaça à indústria europeia.

Mais do que uma resposta comercial, trata-se de um gesto político. A Comissão Europeia busca afirmar sua autonomia estratégica num mundo em que as cadeias de valor estão se reorganizando e o protecionismo ganha novo verniz sob a bandeira da sustentabilidade e da segurança industrial. Ao mesmo tempo, tenta evitar o colapso da competitividade europeia em setores-chave como o automotivo, pressionado por players chineses com vantagens de escala, custos e financiamento.

As taxas afetam especialmente montadoras como BYD, Geely e SAIC, com alíquotas adicionais entre 17% e 35,3%, somadas ao imposto padrão de 10% sobre importações. A medida foi baseada em investigações conduzidas pela UE sobre práticas de dumping, revelando uma rede de incentivos fiscais e subsídios industriais concedidos pelo governo chinês a fabricantes de VEs — muitos dos quais vendem seus modelos a preços inferiores aos praticados na própria China.

A resposta chinesa, por enquanto, foi contida, mas Pequim já sinalizou possíveis retaliações. A tensão também coincide com a ofensiva tarifária dos Estados Unidos sob o governo Trump, que já anunciou impostos de até 100% sobre veículos elétricos chineses. Isso cria uma nova triangulação geopolítica: Europa, EUA e China disputam influência industrial, mas nenhuma das partes quer comprometer totalmente o fluxo comercial.

As manobras das montadoras chinesas

Com margens estreitas e alta dependência da expansão global, as montadoras chinesas não recuaram. A BYD, por exemplo, acelerou os planos de produção local na Hungria para contornar as tarifas e consolidar presença na Europa Central. Modelos híbridos plug-in, que ainda não estão sob as mesmas restrições, também ganharam tração como solução temporária.

Outras empresas, como Nio e Leapmotor, recalibraram suas estratégias de entrada no continente, lidando com novas barreiras logísticas e regulatórias. Há ainda quem cogite acordos de joint venture com fabricantes locais para manter acesso ao mercado europeu.

O setor automotivo europeu, no entanto, está longe de apresentar uma frente unificada. Enquanto grupos como a Stellantis apoiam as tarifas e defendem proteção industrial como ferramenta de sobrevivência, gigantes como Volkswagen e Mercedes-Benz mostram reservas. Ambas têm forte presença na China, onde a imposição de medidas espelhadas poderia comprometer investimentos, produção e vendas.

Essa ambiguidade expõe um dilema europeu: como proteger sua indústria sem provocar retaliações num dos seus maiores mercados externos? Segundo dados da ACEA (Associação Europeia dos Fabricantes de Automóveis), as vendas de carros europeus na China representam cerca de 28% do total de exportações do setor — o que explica o receio de um contra-ataque chinês.

Para evitar uma escalada, Bruxelas e Pequim iniciaram discussões sobre estabelecimento de preços mínimos para VEs chineses vendidos na Europa — uma alternativa mais diplomática às tarifas, mas igualmente delicada. O modelo, semelhante ao já adotado no setor solar em 2013, enfrenta desafios técnicos e políticos, além de resistências dentro da própria UE.

Ao mesmo tempo, a Europa tenta acelerar sua capacidade produtiva interna. Incentivos fiscais para fábricas de baterias, créditos para P&D em veículos limpos e parcerias tecnológicas com países asiáticos fora do eixo China estão no radar das estratégias de reindustrialização do bloco.

O episódio das tarifas não é apenas sobre carros. Ele revela a tensão estrutural entre transição ecológica e rivalidade geopolítica. A descarbonização do setor automotivo depende, em grande parte, do acesso a tecnologias e cadeias de fornecimento globais — muitas das quais hoje passam pela China. Mas a pressão por “soberania verde” cresce na Europa, especialmente diante da guerra na Ucrânia e do acirramento da disputa entre China e Estados Unidos, que expuseram a vulnerabilidade de blocos dependentes de potências rivais.

Para a União Europeia, proteger o mercado sem comprometer a ambição climática será uma equação difícil. Tarifas podem ser eficazes no curto prazo, mas não substituem uma estratégia robusta de inovação, escala e competitividade.

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